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Caso EDP “pode ter aberto uma cratera” na fuga aos impostos, avisa Adão Silva

25 mar, 2021 • Eunice Lourenço (Renascença), Sofia Rodrigues (Público)


Líder da bancada do PSD assume ter “muitas dúvidas” sobre a venda de seis barragens da EDP na bacia do Douro e acusa entidades reguladoras de não terem acompanhado devidamente todo o negócio.

Caso EDP “pode ter aberto uma cratera” na fuga aos impostos, avisa Adão Silva
Caso EDP “pode ter aberto uma cratera” na fuga aos impostos, avisa Adão Silva

Eleito pelo círculo de Bragança pela primeira vez em 1987, Adão Silva lidera a bancada do PSD desde setembro de 2020. Em entrevista ao Hora da Verdade, deputado acusa o Governo de pouca clareza e transparência no negócio da venda de seis barragens de Trás-os-Montes à Engie.

Nesta entrevista, Adão Silva justifica com a transparência a proposta de obrigar os titulares de cargos políticos a declararem se pertencem à maçonaria ou outras associações. E defende uma lei que venha substituir os estados de emergência.


Quando terminarem os estados de emergência, acha que podem ser substituídos por uma lei de emergência sanitária?

Vem-se falando numa lei e vale a pena pensar em legislação para que, de alguma maneira, não sejam precisos estes exercícios tão extremos, tão intensos que envolvem o Parlamento, o Presidente, o Governo.

O PSD não conta apresentar nenhuma iniciativa?
Não temos isso equacionado, para já.

Na questão da venda das barragens e eventual fuga aos impostos, o PSD parece ter apanhado o comboio do BE. Quando deram conta deste problema?
Não desprezo o trabalho do BE, elogio o seu trabalho. Mas o seu a seu dono. Começaram a ouvir-se ecos do negócio no último trimestre de 2019. A 24 de Janeiro de 2020 escrevi um projeto de resolução, que foi aprovado, e que recomendava ao Governo que, se houvesse venda das barragens: ‘Tenham cuidado, há impostos a pagar’. No último trimestre de 2020, redigi uma proposta de alteração à proposta de Orçamento do Estado para 2021 que dizia que fosse constituído um fundo com os impostos advenientes da venda das barragens para o desenvolvimento de Trás-os-Montes. Primeiro foi reprovado, depois o BE corrigiu a sua posição, e foi aprovado.

É uma aliança PSD/BE…
Por isso elogio o Bloco, não tem problema nenhum, é a democracia a funcionar. Depois, nos últimos dois ou três meses a matéria ganhou efervescência e o BE entrou aí e bem.

Quando é que o PSD se apercebeu que não havia receitas de impostos para o fundo regional?
Nós estivemos sempre de boa-fé. Não nos passava pela cabeça que um negócio de 2,2 milhões de euros não pagasse impostos. É uma coisa completamente bizarra. Não é apenas o imposto de selo. É o IRC, é o IMT e os emolumentos. Tudo somado dá para cima de 450 milhões de euros.

Ainda será possível recuperar os tais impostos que não foram pagos?
Eu espero bem que sim. O ministro do Ambiente, não sei se articulado com o Ministério das Finanças [Mário Centeno], devia ter clarificado qual era o quadro em que a venda ou trespasse da concessão se iria movimentar. E ter dito que havia uma carga de impostos para pagar. Aparentemente não foi isso que aconteceu. Tudo foi feito num exercício mais ou menos turbulento, mais ou menos esdrúxulo, o sr. ministro meteu-se no seu labirinto e agora mete pena que, em vez de defender os contribuintes, ataque os cidadãos para dizer que a EDP não tem nada que pagar impostos. Calma lá! Quem tem de dizer são outras entidades. Espero que se pague ainda o que importa pagar, os portugueses, aliás, não perceberiam. Voltaríamos aquela máxima de que o Governo é fraco com os fortes em termos de impostos. E como eles não os pagam, é forte com os fracos, que somos nós que os pagamos.

Quem é que pode atuar? A Autoridade Tributária, os tribunais?

Desde logo a Autoridade Tributária. Era suposto para entrar na avaliação do negócio em junho de 2021, depois das declarações do primeiro-ministro na semana passada, parece que está a trabalhar nesta matéria. Há aqui muitas dúvidas: por exemplo, a Autoridade da Concorrência acompanhou bem o processo ou não? É que isto não foi uma passagem da EDP para a Engie, houve um labirinto de empresas feitas no momento e na oportunidade que se faziam e desfaziam, completamente bizarras.

Foram empresas só para facilitar este negócio?
Com certeza. Criava-se uma empresa com um trabalhador para administrar seis barragens que valiam 2,2 mil milhões de euros. Depois, a entidade reguladora da energia: será que acompanhou este processo adequadamente? Temos as maiores dúvidas. A entidade europeia da concorrência está a acompanhar? Temos as maiores dúvidas.

As suas dúvidas são também sobre se há indícios de crime?
Sim, temos essas dúvidas também. Soube-se ontem a que a APA deu pareceres negativos e depois aquilo foi convertido em pareceres positivos. Depois muito circunstancialmente é alterado o artigo 60.º do estatuto dos benefícios fiscais. Muito oportuno, alarga a possibilidade das isenções em operações. É uma sensação de que foi tudo muito rápido, muito atabalhoado, com a EDP e o seu potencial brutal de consultores a dizerem quais as regras do jogo e um ministro do Ambiente completamente passivo e recetivo, do tipo ‘quem manda aqui é a EDP’, e, obviamente, a EDP não é dona de Portugal.

É um negócio que exige um olhar por parte do Ministério Público?
Absolutamente. A sensação que há aqui é de uma opacidade, falta de transparência.

Tem noção se mais empresas usaram esta alteração legislativa ao artigo 60.º?
O ministro não respondeu a essa pergunta, mas isso é possível. A partir do momento em que alteram a lei é mesmo de perguntar: só não usa quem é burro. Se a EDP usou com este grau de impunidade até aqui, outros podem usar. Se o Estado não cobra impostos, afinal quem paga? Por isso, o PSD propôs a revogação do atual artigo 60.º.

Cada vez que alguma coisa corre mal, muda-se uma lei. Isso não dá uma sensação de instabilidade legislativa?

É verdade. A nossa proposta foi reprovada esta quarta-feira e esta quinta vamos fazer a avocação ao plenário. Queremos todas as posições clarificadas. Portanto, traz instabilidade, mas às vezes a instabilidade compensa. E aqui compensa, porque podemos ter aberto uma enorme cratera do ponto de vista do não pagamento de impostos em variadíssimas circunstâncias. O ministro das Finanças veio dizer ‘Uma coisa não tem nada a ver com a outra, não é fato feito à medida’, mas eu só digo: ‘Se não é, parece’.

Por que é que o PSD decidiu agora avançar com a proposta de obrigar os políticos a declararem a pertença à maçonaria, uma vez que o projeto do PAN já é de 2019?
O PAN, de facto, apresentou um projeto de lei que visava as sociedades secretas ou discretas, e mencionava a maçonaria e o Opus Dei. Achamos um erro fazer este tipo de exercício. As coisas têm que ser legisladas de forma geral e abstrata. O PSD avançou com alteração ao projeto de lei do PAN, abrangendo titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, e todas as ligações associativas. Pensamos que numa democracia os cidadãos agradecem muito que haja transparência. Eu nunca fui, não sou e espero nunca vir a ser maçon. E se fosse, não teria problema em dizê-lo. Em muitos países, a pertença à maçonaria corresponde a um exercício de grande filantropia social de que as pessoas se orgulham. Em Portugal, esses beneméritos de muitas destas organizações afinal não querem dar a cara porquê? Se é uma coisa boa...

Sabe se há maçons ou membros do Opus Dei na direção da sua bancada?
Isso a mim não me interessa. Convivo bem com todos. Tenho amigos que declaradamente são maçons e outros Opus Dei. Sei-o porque mo disseram. E quem não o disse, para mim, é-me absolutamente irrelevante.

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  • António Candeias
    25 mar, 2021 Leiria 12:50
    Este Adão e Silva só não teve dúvidas quando o governo do seu partido vendeu a EDP ao desbarato, nem viu que o negociador da venda em nome do estado tinha ele próprio interesses na EDP, são todos iguais quando na oposição vem o mal que os outros fazem, quando são governo não veem o mal que fazem, vão lamber sabão todos.