Tempo
|
Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
A+ / A-

Nem ateu nem fariseu

​Eu, as minha filhas, e as sardas de Carolina Deslandes

29 abr, 2022 • Opinião de Henrique Raposo


A pressão sobre a rapariga é muito superior à pressão sobre o rapaz (...) No chamado “body shaming”, a rapariga é o alvo principal, ao vivo e através dos telemóveis.

As minhas filhas têm os pais mais relaxados na aparência, não vou de calções para a rádio porque não calha. Têm pais que tentam tudo para que elas não liguem em demasia à roupa e ao estilo. Só que elas não vivem só aqui em casa, vivem numa sociedade alargada e já se sente a tal pressão da aparência, do “look”. É uma pressão que vem de todos os lados. Fingir que ela não existe é entrar em negação, é tentar parar o vento com as mãos. Não dá. A minha influência paternal é aqui escassa. A pressão social para uma aparência feminina perfeita está na própria cultura, na linguagem, nos códigos verbais e verbais, na publicidade, na net, no cinema, na economia.

A pressão sobre a rapariga é muito superior à pressão sobre o rapaz e as consequências são conhecidas, ansiedade, depressão, anorexia geradas por ela própria mas também pelos outros. No chamado “body shaming”, a rapariga é o alvo principal, ao vivo e através dos telemóveis. Ou é muito gorda, ou é muito magra, ou tem sardas, ou o cabelo é demasiado encaracolado ou demasiado fino - a lista é infinita, tal como é infinita a capacidade da net para eternizar a vergonha feminina. É como se todas as raparigas sem excepção tivessem de cumprir um caderno de encargos extenso e fechado sobre beleza feminina. Elas não criaram essa exigência, mas são avaliadas por ela.

Quem é que pode mudar isto? As estrelas femininas.

É por isso que quero agradecer à Carolina Deslandes, uma cantora que as pequenas ouvem. Há dias, Deslandes colocou uma foto no instagram onde se vê o seu rosto coberto por sardas, e escreveu assim: “tomei a decisão de parar com filtros e fotografias com make up na cara constantemente. Já estava numa fase em que não gostava de me ver sem filtros e é assustador. As sardas agradecem e a minha sanidade também”. A minha sanidade também agradece, porque com exemplos assim é mais fácil educar as miúdas cá em casa. Não, filha, a cicatriz não é feia. Não, filha, as marcas da varicela não fazem mal. Como marido e como homem, também agradeço, porque as alegadas “imperfeições” são sensuais, aliás, são a definição de erotismo e de beleza, são o factor x que não se produz com filtros. Rita Hayworth queixava-se do seguinte: “os homens vão para a cama com a Gilda (a sua personagem mais famosa) e, de manhã, quando descobrem que estão na cama com a Rita, vão embora”. Não percebo estes homens, confesso. A sensualidade e a beleza não são perfeitas, não são a perfeição maquinal que se vê no insta, nas revistas, no cinema, nas revistas com ou sem bolinha. A minha mulher, à beira dos quarenta, deixou de pintar o cabelo durante a pandemia e os cabelos brancos começaram a aparecer. Quando ela me pediu uma opinião, a minha resposta foi mesmo essa: eu vou para a cama todas as noites com a Rita, não com a Gilda. E talvez seja esta a melhor educação que as minhas filhas podem ter: à beira dos 40, a mãe mostra com orgulho um cabelo multicolor, castanho, cinza, branco.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • João Lopes
    02 mai, 2022 Porto 20:50
    Excelente artigo.
  • Digo
    02 mai, 2022 Eu 17:14
    Você é pago para escrever coisas destas?
  • Ivo Pestana
    30 abr, 2022 Funchal 10:39
    Não é aconselhável escrever na primeira pessoa, sobre a nossa família. Caímos na soberba e num orgulho, mesmo que involuntário e expomos a vida da família. Não gosto quando os escribas falam lá de casa, para quê? Para ser exemplo a seguir? É redutora esta subjectiva e subjacente explanação...ninguém entende o objetivo da mesma.
  • A C
    29 abr, 2022 Oeiras 09:35
    Que treta de artigo. É mesmo de quem não tem nada para escrever. 😎