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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

Filha de Deus antes de ser filha do pai

03 dez, 2021 • Opinião de Henrique Raposo


Os nossos filhos são filhos de Deus antes de serem nossos. Ou seja, são seres autónomos, conscientes e livres em relação a tudo, a começar em relação aos pais.

Oiço música clássica, variantes modernas da música clássica, alguma ópera e, de vez em quando, regresso às bandas góticas da juventude. É a banda sonora que de forma natural vou espalhando pela casa.

A minha mulher ouve música clássica e indie. Não ouvimos jazz, não gostamos por aí além de jazz. Mas adivinhem qual é o género de música que a mais velha está a começar a cultivar? Jazz. Não se trata de pirraça, porque claro que deixamos ouvir, não há resistência. Nem nunca tivemos um discurso anti-jazz. Ela ouve porque vem dali a frequência sonora que encaixa melhor no seu gosto, na sua personalidade.

Serve isto para dizer que Deus não nos cria como uma tabula rasa que irá receber acriticamente uma educação e uma cultura. Um filho não é um barro acrítico que podemos moldar até se tornar numa pequena versão de nós mesmos. Este pequeno exemplo mostra como a personalidade é mais forte do que a cultura e a educação. Ela ouviu centenas de álbuns de música clássica, mas essa educação não fez despertar nada. Quando ouviu por acaso no carro a Smooth FM, ficou encantada, até obcecada, com aquela sonoridade que depois foi desenvolvendo sozinha no spotify e no youtube. Aquele acaso (o rádio do carro na Smooth) cruzou-se com algo mais forte do que a minha educação musical, mais forte do que o nosso contexto familiar – a personalidade dela, que tem elementos misteriosos e escondidos. O mistério de Deus tem assim uma face bem visível e palpável: o mistério que são os nossos filhos, que não são avatares passivos dos gostos e escolhas dos pais.

Por vezes é difícil aceitar isto, confesso, mas a verdade é que, para o bem e para o mal, os nossos filhos são filhos de Deus antes de serem nossos filhos. Ou seja, são seres autónomos, conscientes e livres em relação a tudo, a começar em relação aos pais.

É esta a liberdade radical do ser humano, que depende de Deus e não de qualquer contexto social ou familiar. O milagre do livre arbítrio começa na liberdade em relação aos pais.

Comentários
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  • João
    04 dez, 2021 Porto 11:27
    Artigo interessante!