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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

​O recomeço dos recasados

29 dez, 2017 • Opinião de Henrique Raposo


O verbo cristão por excelência é “recomeçar”. Através do arrependimento e do perdão, Cristo permite recomeçar. O divorciado não é aqui um pária, também tem direito ao recomeço.

O meu desejo cristão para 2018? Que a igreja como um todo siga sem resistências separatistas a “Amoris Laetitia” (“Alegria do Amor”) do Papa Francisco sobre a situação dos divorciados recasados; é tempo de diversos grupos dentro da igreja pararem com uma espécie de insurgência alegadamente purista e salvadora da verdadeira doutrina.

Na verdade, esta atitude só revela a doença farisaica que olha para a lei com olhos mortos, olhos legalistas de Javert. Ao ler e ouvir a posição destas tribos que se julgam mais papistas do que o Papa, fico sempre com uma estranha impressão: estas pessoas mais depressa perdoariam um assassino do que um divorciado que ousa voltar à igreja para comungar. Se a misericórdia do Senhor pode ser recebida por todos, até pelo violador e pedófilo, porque é que continuam a ostracizar o divorciado? Porque é que continuam a negar os mandamentos da reconciliação e da eucaristia ao divorciado recasado? Onde é que está escrito que o divórcio é único pecado sem acesso ao perdão?

Repare-se que a “Amoris Laetitia” não diz que o divórcio não é um pecado objectivo. Não há ali relativismo moral. Sim, o divórcio é sempre um pecado; é a consequência trágica de uma série de pecados cometidos pelos dois conjugues. E o pecado maior talvez seja a presunção de pensar que a culpa é sempre do outro lado, do ex-marido ou ex-mulher. Portanto, aqueles que dizem que o Papa Francisco está a despenalizar o divórcio estão a ser desonestos. O ponto é outro, o ponto é dar o mandamento da reconciliação ao divorciado recasado que procura a redenção.

O divórcio não pode ser um pecado à parte, não pode ser um pecado diferente dos outros pecados, não pode ser colocado numa torre inacessível à misericórdia de Deus.

O verbo cristão por excelência é “recomeçar”. Através do arrependimento e do perdão, Cristo permite recomeçar. O divorciado não é aqui um pária, também tem direito ao recomeço. O divorciado crente e recasado não pode permanecer neste limbo entre os crentes sem macula, ó santos!, e os ateus, como se fosse uma espécie de hermafrodita teológico sem identidade ou poiso.

Quer isto dizer que todos os divorciados recasados devem ter direito ao recomeço? Não. Aqueles que argumentam que o Papa Francisco transforma a Igreja num albergue espanhol à vontade do freguês estão a ser desonestos. “Alegria do Amor” diz que o regresso à igreja do divorciado recasado é um processo lento que tem de ser acompanhado por um padre. É esse pastor que gere a situação. Isto não tira poder à Igreja. Pelo contrário: dá poder e vida a cada um dos seus pastores, que não se podem limitar a aplicar a lei de forma cega e mecânica; têm de exercer o seu juízo moral ancorado na misericórdia do evangelho numa lógica de caso a caso.

Um padre não pode ser um mero burocrata de um direito canónico aplicado de forma cega a toda a gente; um padre tem de ser um intérprete vivo desse direito, até porque o direito canónico não é a voz de Deus da mesma forma que o direito positivo (de um estado) não é a voz do direito natural. Por outras palavras, é preciso ter em atenção que o termo “situação irregular” esconde muitas injustiças cometidas contra cristãos que querem regressar ou ingressar numa igreja que lhes vira as costas em nome da norma farisaica. O legalismo farisaico afasta milhares, se não milhões, da igreja.

Como escreveu Miguel Almeida sj. na revista “Brotéria”, está aqui em jogo um duplo discernimento. Por um lado, o divorciado recasado deve passar por um exame de consciência sobre o seu passado, sobre o seu compromisso com o evangelho e com a ideia de família. Por outro lado, o padre que o acompanha tem de vigiar e confirmar (ou infirmar) este exame interno. Ora, se este exame de consciência for honesto, se a pessoa quiser de facto crescer na caridade, se o padre virar o polegar para cima, então não há qualquer razão para a igreja continuar a recusar os sacramentos ao recasado. É isso que se espera de uma igreja dura com o pecado mas misericordiosa com o pecador.

Comentários
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  • Miguel Neto
    09 fev, 2018 Lisboa 13:17
    Obrigado
  • Gonçalo Sena
    10 jan, 2018 Cascais 17:19
    A questão fundamental não é o estar divorciado. A ter havido culpas no divórcio a confissão (supondo que há arrependimento!) perdoa-as, e a pessoa está livre para frequentar os sacramentos. A questão está no recasamento. Mesmo São Pedro era favorável ao divórcio e posterior casamento, a ponto de dizer a Cristo que caso contrário, o melhor é não casar. Foi Jesus por sua iniciativa, contra o parecer da restante Igreja (São Pedro, e subentende-se os restantes apóstolos), a negar a possibilidade de divórcio e novo casamento posterior. O autor do artigo que me perdoe, mas não percebeu NADA do que está em causa. Não se trata do tipo nem da qualidade do pecado, pois Deus tem poder e desejo ardente de tudo perdoar, mas sim da existência de arrependimento do pecador. Nenhum assassino que continue a matar pode comungar, nem nenhum ladrão que continue a roubar, nem nenhum caluniador que continue a caluniar pode comungar... os recasados (que não vivam como irmãos) não são excepção. Faz parte das obras de misericórdia corrigir os que erram, sobretudo quando está em causa a sua salvação eterna. Permitir a comunhão a quem vive de facto em pecado, apenas serve para condenar quem comunga, quem dá a comunhão, e quem fomenta que assim se faça. Onde está a misericórdia em praticar ou permitir o sacrilégio? É uma pena mas a Igreja do século XXI também acha que Cristo está errado. Longe de Cristo não vai conseguir outra coisa senão definhar, e no caminho muitas almas se hão-de perder... uma pena!
  • Basto
    03 jan, 2018 Porto 22:37
    Deixo aqui um desafio aos leitores deste "misericordioso" artigo, que encontrem no texto, por ordem, os seguintes insultos aqui ditos de forma direta ou indireta: (1) resistentes; (2) separatistas; (3) pertencentes a "certos grupos"; (4) insurgentes; (5) puristas; (6) salvadores; (7) doentes; (8) fariseus; (9) legalistas de olhos mortos; (10) legalistas de Javert; (11) tribais; (12) mais papistas que o Papa; (13) perdoadores de assassinos; (14) ostracizadores; (15) negadores dos mandamentos; (16) presunçosos; (17) desonestos; (18) crentes sem macula, ó santos; (19) desonestos; (20) burocratas do direito canónico. Os insultos não surpreendem na escrita do sr. Raposo, que antes se virou contra os alentejanos. Agora vira-se contra os católicos que acreditam na verdade cristã sobre o matrimónio, onde se incluem 265 Papas, um dos quais ainda é vivo. Este texto é tão pobre e ridículo que só não passa despercebido por aparecer absurdamente publicado na página da emissora católica portuguesa (confunde, por exemplo, sacramentos com mandamentos e carece de um conhecimento mínimo acerca da Fé católica acerca dos sacramentos do Matrimónio e da Reconciliação). Convido ainda o sr. Raposo, que não sei se é católico mas, pelo menos, aprecia os ensinamentos do Papa Francisco, a ver este pequeno vídeo publicado pela Renascença onde o Santo Padre condena precisamente os insultos e também a "cobiça da mulher do próximo" (=adultério). http://rr.sapo.pt/video/127981/papa-por-favor-nao-insultem
  • m
    03 jan, 2018 viseu 14:25
    A destruição da Igreja continua a passos acelarados. A pergunta que fica é: quando vão olhar para trás, para quando existia beleza, vocações e conversões? Talvez o objectivo seja mesmo acabar com Ela, e é uma pena!
  • André Souza
    03 jan, 2018 Vila Pouca de Aguiar 13:38
    Opinião muito a propósito. Obrigado, bom ano! "Um padre não pode ser um mero burocrata de um direito canónico aplicado de forma cega a toda a gente; um padre tem de ser um intérprete vivo desse direito, até porque o direito canónico não é a voz de Deus" ...depois querem acusar o Papa Francisco de "herege"
  • mara
    02 jan, 2018 Portugal 23:15
    Gosto dos artigos do Dr. acho mais digno uma pessoa viver divorciada com dignidade do que deixar-se humilhar e ser despersonalizada por um sujeito que não lhe deu um só beijo com amor, mas para mostrar ser um homem digno desse nome quando está nas proximidades duma mulher, porque devido à mãezinha que lhe destruiu todos os namoros se casou para mostrar a uma rapariga não ser ela a única mulher no mundo, lamentável que essa mamã destruidora de namoros também lhe tenha destruído o casamento...Lamentável os divórcios sejam tão condenados e as mulheres sempre as más da fita, quando são elas que morrem às mãos dos santinhos homens e engraçado até as próprias mulheres as condenam...
  • João Lopes
    01 jan, 2018 Viseu 11:28
    Sobre este tema há um livro interessante, editado em português pela Alêtheia Editores, em 2017: “Acompanhar, Discernir e Integrar | Guia para uma pastoral familiar a partir da exortação Amoris Laetitia” de José Granados, Stephan Kampowski , Juan José Pérez-Soba.
  • Ana Andrade
    31 dez, 2017 Porto 17:23
    Perdo a minha ignorância, mas há uma coisa que nunca percebi e agora ainda menos. O pai do meu filho disse-me á hora de almoço do dia 8 de janeiro deste ano que tinha outra pessoa e que naquela noite já não dormiria em casa. O nosso filho quando foi passar o fim de semana aos avós saiu com pai e qd voltou já não o tinha mais. Divorciamo-nos no registo civil O que é que o cadsmento cívil tem a ver com o religioso? "O que Deus uniu o Homem não separa, certo. Não estou divorciada pela Igreja nem com a Igreja. Que culpa tenh eu que ele me tenha traido e se fosse embora? Obrigada.
  • Vera
    30 dez, 2017 Palmela 16:12
    Que texto tão chato! em vez de falar do ano Novo que vamos ter que gramar durante 365 dias, vai buscar os casados os recasados e os divorciados? francamente! já no outro texto em vez de falar do Natal, foi falar de Jerusalém, isso é conversa para se ter em tempo de Páscoa! foi em Jerusalém que Jesus se entregou! eu nem comentei nada, porque sabia que Deus não ia gostar! vi a missa do Galo, transmitida da Igreja Matriz de Loures, com um padre de Almada, porque o padre da paróquia estava com uma tosse! mas é curioso que antes da tosse ele contou o princípio da história, ainda antes do nascimento de Jesus, até disse o nome completo do Imperador de Roma! a partir daí não parava de tossir! eu bem tinha a impressão que Deus não ia gostar que se comentasse mais nada a não ser o nascimento de Jesus e a chegada dos Reis Magos ao presépio, três meses depois do Menino ter nascido! montados nos camelos e guiados pela Estrela Polar a mais brilhante da constelação 'Ursa Maior',que é formada por sete estrelas mais visíveis: quatro estrelas formam um trapézio e mais três estão na cauda! é a última da cauda,que se vê no céu, mais brilhante! Os Magos levaram três meses a chegar ao presépio! mas Loures e Almada gostam pouco de falar em constelações,porque têm outras preocupações! preferiram entrar em detalhe como era o governo da época,em que quem mandava eram os Romanos e que Jesus nasceu entre pastores! só não falou da reforma agrária,por causa da tosse!esqueceu-se também que viviam da pesca.
  • Fernando Castro
    30 dez, 2017 Ponta Delgada 01:01
    Simbolicamente, será este artigo de opinião, escrito por um leigo, um dos marcos importantes do surgimento em força, no Portugal de 2018, da rebelião a céu aberto contra a verdadeira Igreja de Cristo? O responsável pelo mesmo (que parece estar isento dos critérios de avaliação, estabelecidos pela direcção de informação da Renascença para a publicação de comentários), num texto incoerente que prima pela ausência da verdade católica, poderá eventualmente descansar muitas consciências "católicas", mas não evitará certamente um profundo sentimento de tristeza e um amargo de boca, naqueles que ainda acreditam na Verdade eterna das Palavras saídas da própria boca de Jesus Cristo, e no Magistério autêntico e perene da Igreja por Ele fundada. Pelo que foi dito, não poderemos nunca subscrever o "desejo cristão" expresso pelo articulista no início do seu artigo.