23 jan, 2023 • Sérgio Costa , Olímpia Mairos
O comentador d’As Três da Manhã considera que não faz sentido o chamado protesto ‘transfake’ porque “anula a própria noção de arte, teatro, de ser ator”.
O protesto aconteceu na noite de quinta-feira e o vídeo tem sido amplamente divulgado nas redes sociais. Durante uma apresentação da peça de teatro “Tudo Sobre a Minha Mãe”, no Teatro São Luiz, em Lisboa, a atriz trans e performer travesti Keyla Brasil invadiu o palco, semi-nua, em protesto contra o “transfake”.
“Eu acho que estes ativistas não percebem aquilo que qualquer criança percebe que o teatro é feito, é fazer de conta”, atira Henrique Raposo, destacando que “fazemos de conta há milhares de anos, porque esse fazer de conta permite uma catarse pessoal, social, porque implica que um ator, ou seja, uma pessoa, tente ver o mundo através dos olhos de outra pessoa, completamente diferente”.
“E essa é a essência primeira, fundamental, da arte de quem escreve o texto, e de quem o vai interpretar”, realça.
Para Henrique Raposo trata-se de representação e não representatividade e dá o exemplo de César Mourão, um homem de 40 anos, que “fez um papelão como mulher idosa, numa série da SIC, que se chama Esperança” e de Cate Blanchett que fez de Bob Dylan.
“Um ator que nasceu rico, não pode fazer de pobre e vice-versa?”, questiona, afirmando que “uma atriz trans, se aplicássemos esta grelha fechadíssima e ultra identitária não podia fazer de mulher grávida porque não nasceu com o aparelho reprodutor feminino”.
“É uma forma de censura”, diz o comentador.
“A extrema-direita, o populismo está a tentar acabar com a democracia através de um excesso de liberdade. Esta extrema-esquerda está a tentar acabar com a liberdade, a liberdade do humor, a liberdade do comentário, a liberdade da arte, da ficção”, atira.
Segundo Raposo, chegamos a um ponto que já nem ficam ofendidos com a ficção, mas “querem proibir a ficção, porque se aplicarmos isto à regra, só pode haver documentário. Só um trans é que pode fazer de trans. Só um pobre é que pode fazer de pobre”.
Ressalvando que uma pessoa transexual “deve ter os mesmos direitos que todos os outros”, insiste que, neste caso, não estamos a discutir isso.
“Nós estamos a discutir fronteiras novas de liberdade e de censura, que estão a ser ultrapassadas há muito tempo. E é bom que pessoas com responsabilidade comecem a falar disso”, defende.
Depois do protesto de uma ativista transexual no teatro São Luiz, em Lisboa, na passada quinta-feira, o elenco da peça “Tudo Sobre A Minha Mãe” foi alterado.
O encenador Daniel Gorjão reconhece que foi uma opção falhada colocar um ator do sexo masculino a interpretar uma personagem transexual.