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Oiça a Grande Reportagem Euranet de João Cunha na Guiné (29/11/2016)

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Quando a Europa chega mais longe que a Europa

29 nov, 2016


No espaço Euranet de hoje, damos-lhe a conhecer outros financiamentos e apoios dados pela União Europeia. No caso, para o desenvolvimento, em concreto, da Guiné-Bissau.

Há mais de duas décadas que a Associação VIDA - Voluntariado Internacional para o Desenvolvimento Africano está naquele país. É uma ONG que existe com a finalidade de ajudar as pessoas a desenvolverem as suas capacidades e o potencial da terra onde vivem, com vista a um desenvolvimento sustentado.

O jornalista da Renascença João Cunha foi perceber, durante uma semana, que outro projectos a VIDA está a ajudar a concretizar numa das regiões mais isoladas daquele país. Desde a saúde materno-infantil à agricultura.

Em Suzana, no norte da Guiné-Bissau, a poucos quilómetros da fronteira com o Senegal, estão para cima de 30 graus. Suzana é uma aldeia a mais de 4 horas de viagem feita por estradas difíceis, com mais buracos do que alcatrão. São tantos os buracos que a população os designa por "quebra-molas", tais são os estragos que provocam.

É em Suzana que está sediada a Associação VIDA no norte do país. Pedro Santos, um português de Silves, coordena o projecto de agricultura. No fundo - e seguindo sempre as directrizes que fazem com que a VIDA esteja há mais de duas décadas no país - colaboram com a população. Não pretendem impor nada. Apenas ajudar a população a fazer melhor. Por exemplo, perceber de que forma as mulheres podem melhorar a produção de tomate, que milagrosamente conseguem produzir em solos de areia. E conseguiram: na rega, no transporte até aos locais de venda e na melhoria da qualidade das sementes, Agora, não se perde tanto na produção anual. Já sabem que se juntarem alguma vegetação seca junto aos pés de tomate, conseguem manter a humidade no solo por mais tempo. E já não precisam de regar tantas vezes. E que se transportarem o tomate as caixas mais arejadas e não nas tradicionais bacias de verga, perdem menos tomate no transporte.

Pedro Santos questionou-as sobre a forma de conservar, não só o tomate mas também outros produtos hortícolas. E as mulheres começaram a aprender a fazer conservas: pickles. Para consumo próprio e para venda.

E lá começaram a aprender, depois de reunidas por uns dias na Missão Católica de Suzana. Paula Sambu, da Associação de Mulheres Horticultoras de Suzana, sente-se agradecida. “É muito importante para nós, esta formação. Depois da colheita, não sabíamos como fazer para conservar os nossos produtos. Por isso, esta formação é muito importante para nós porque ficámos a saber como não perder tanta produção. E a aproveitar o que sobra das nossas colheitas”.

O INPA – O Instituto Nacional de Pesquisa Agrária, parceiro da associação nestes projectos, (financiados pela União Europeia e pelo Instituto Camões -Instituto da Cooperação e da Língua) espera que o impacto positivo dos mesmos possa fazer com que se alastrem a outras zonas do país. João Aruth, Director Cientifico do INPA, considera que “se for cumprido na íntegra, este projecto vai ter um impacto muito positivo para as populações locais. Eles (VIDA) respeitam as tecnologias locais, e é a partir daí que se pode fazer um trabalho conjunto”.

Outro dos projectos da VIDA é o das mutualidades.

Os interessados em pagar uma quota mensal passam a ter acesso gratuito a cuidados de saúde, consultas, medicamentos e até evacuação de canoa a motor, que permite a quem vive em locais remotos, como Bolol, a chegar mais rapidamente por mar e por rio ao centro de saúde mais próximo.

Em toda a região noroeste da Guiné-Bissau são mais de dois mil os inscritos nas mutualidades. Nos dias de feira, ao mesmo tempo que as mulheres felupe vendem o tomate que produziram a compradores que chegam de Bissau, são alertadas para os benefícios do projecto das mutualidades. Nesses dias, os de feira, Carlos Ambona – um dos dinamizadores do projecto - faz o possível para chamar a atenção de quem passa para algo que faz a diferença entre a vida e a morte.

Edson Eros coordena o projecto das mutualidades. Corre toda a região para visitar os seus dinamizadores. Deste e de um outro projecto fundamental para a saúde naquela região. O da saúde materno infantil. Segundo a tradição, as mulheres felupe são colocadas em isolamento, logo após darem á luz. Só as mulheres mais próximas da família as podem visitar. Para cumprir a tradição, isolavam-se numa casa da aldeia criada para o efeito, mas onde não existiam cuidados de saúde básicos para permitir os melhores cuidados de saúde. Muitas mães não resistiam ao parto. Muitos mais fetos não chegavam a ver a luz do dia.

Em conjunto com a população, a VIDA conseguiu criar as casas das mães. Um local isolado da população, mas próximo de uma unidade de saúde, e onde existem condições sanitárias adequadas para um parto. Até as matronas, as parteiras da zona, como são conhecidas, receberam formação para melhor desempenharem as suas funções.

Resultado: são agora raros os casos de mortes no parto, tanto dos recém-nascidos como das parturientes. O que permitiu reduzir bastante a mortalidade infantil na região de intervenção do projecto.

São Domingos fica também a várias horas de distância de carro de Bissau. Nesta cidade, a VIDA criou, em parceria com a associação de mulheres local e com o Ministério guineense da Saúde o centro de saúde materno infantil de São Domingos. Aqui, as mulheres grávidas são acompanhadas desde as primeiras semanas de gestação até á gravidez. As que estão inscritas no projecto da mutualidade e todas as outras. E todas têm acesso á farmácia comunitária, criada em paralelo com o centro de saúde materno infantil. Também aqui os números relativos á mortalidade infantil desceram substancialmente.

Um dos bens mais escassos no norte das Guiné-Bissau é a água potável. Obrigava a que depois de um dia de trabalhos nos arrozais e nas hortas, as mulheres felupe ainda tivessem de percorrer vários quilómetros para ir buscar água potável. Bebível, pelo menos.

No ano passado, uma parceria entre o VIDA e uma cadeia de supermercados alemã a operar em Portugal permitiu recolher dinheiro numa campanha para abrir dez poços de água potável na região entre Suzana, Varela e São Domingos.

A campanha correu melhor do que o esperado e abriram-se não dez, mas cinquenta furos de água potável, que mudaram a vida de muitas mulheres felupe. Para melhor.

O projecto mais ambicioso e que mais resultado obteve foi o que permitiu criar a figura do ASC: o agente de saúde comunitária. Jovens das várias comunidades a quem é dada formação em cuidados de saúde primários, e que transmitem depois os conhecimentos adquiridos ás famílias que ficam sob sua responsabilidade. Um projecto que já deu frutos em vários locais do noroeste do país, e que agora vi ser implementado em Bissau.

Mais de mil voluntários vão receber a formação, e terão, cada um, a seu cargo, 35 famílias. Feitas as contas, mais de 35 mil pessoas, residentes em Bissau e nos arredores da capital guineense, que vão passar a saber coisas tão simples como onde se dirigirem, quando estão doentes, em alternativa ao Hospital Simão Mendes, e que medicamento comprar para tratar determinada doença.

Projectos da Associação Vida em curso na Guiné-Bissau

Estratégia para a aceleração da Redução da Mortalidade Materna, Neonatal e Infanto-juvenil na Guiné-Bissau – Sector Autónomo de Bissau. Co-financiado por UNICEF, Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e Fundação Calouste Gulbenkian.

Kópóti Pa Cudji Nô Futuro. Co-financiado por Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e União Europeia.

“Anhacanau Adjanhau – A mulher líder na gestão comunitária dos serviços de saúde materno-infantil. Co-financiado por UNICEF, Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e Fundação Calouste Gulbenkian

“Tabanka Ku Saudi” - Co-financiado por UNICEF, Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e Fundação Calouste Gulbenkian.

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