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Geração Z
Nasceram na era das tecnologias de informação, são mais práticos e mobilizam-se por causas. Até dispensam o carro e a casa, também porque não têm grandes salários para pagá-los, mas arriscam ter o seu próprio negócio. Como podemos ajudá-los? Quais os medos que enfrentam? Que tal começarmos por ouvi-los? "Geração Z" é um podcast quinzenal, publicado à quarta-feira, às 18h, da autoria da jornalista Beatriz Lopes. Esta é uma uma parceria Renascença/Euranet Plus.
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Quanto valem os "likes" no sucesso de uma banda?
Quanto valem os "likes" no sucesso de uma banda?. Ouça o podcast Geração Z

Podcast Geração Z

Quanto valem os "likes" no sucesso de uma banda?

20 set, 2023 • Beatriz Lopes


No Geração Z desta semana, falamos sobre a forma como a era digital veio revolucionar o mundo da música, em particular, dos jovens músicos que tiveram de se adaptar às novas tecnologias e à forma como comunicam nas redes sociais. Será que as redes são mesmo imprescindíveis para se alcançar o sucesso ou ter muitos seguidores não significa ter reconhecimento e retorno financeiro?

É possível ser-se músico em Portugal sem uma legião de fãs nas redes sociais? O importante é que "os likes" se traduzam em presenças nos concertos, até porque há bandas com uma grande exposição que não são financeiramente rentáveis. "Isso acontece mais do que aquilo que se julga", admite Roberto Caetano, vocalista e guitarrista dos First Breath After Coma.

"Acredito que a grande fatia de 'incoming' de uma banda vem de atuações ao vivo, que é o que gostamos mais de fazer. A nossa ideologia é ter fãs orgânicos. Não trabalhamos muito as redes: quem nos coloca 'gosto' e quem nos segue, fá-lo mesmo de livre e espontânea vontade e temos conseguido sobreviver assim, com poucos seguidores."

Com atualmente cerca de 9.500 seguidores no Instagram, a banda de Leiria apresentou-se ao público em 2012, lançando-se "a um mundo de doidos" que nem por isso os fez parar. Na bagagem, já levam três álbuns editados, três digressões europeias - a maior em 2019, quando percorreram oito países com 30 datas fechadas. Por cá, continuam a pisar os palcos principais de festivais como o Primavera Sound, o Paredes de Coura e o Bons Sons.

"Não somos um bom exemplo de quem sabe trabalhar a favor dos algoritmos", reconhece Roberto Caetano, admitindo que recorrer às redes sociais apenas "como um suporte de promoção de eventos" e fazer um caminho independente "tanto traz vantagens como inconvenientes".

"Quando estás fora daquilo que é considerado o ‘mainstream’, daquilo que está mais agarrado às 'majors', daquilo que tem mais 'airplay' na rádio, a música acaba por não ser muito rentável, ou seja, tens sempre de ter trabalhos à parte, aquele trabalho das nove às seis, que é o nosso caso (...). Isto veio criar uma nova onda de músicos independentes que, hoje em dia, têm que ser rentáveis ao ponto de fazerem um bocadinho de tudo o que engloba ser artista: a parte do booking, a parte de fazer a produção dos próprios espetáculos, de fazer os videoclipes", sublinha.

De um videoclipe que "custou um BigMac" ao "ambicioso" álbum "NU"

Podem não viver das redes sociais, mas não lhes falta tecnologia ao nível da produção. Com músicas escritas, gravadas, produzidas e masterizadas pelos próprios, os First Breath After Coma apresentaram em 2019 o "Nu", o terceiro álbum de originais com oito curtas-metragens - uma para cada tema - idealizadas e filmadas pela banda. Será esta a prova de que, apesar de quase não terem presença nas redes sociais, não abdicam de estar um passo à frente?

"[risos] É a prova de que somos um bocado 'freaks' no controlo daquilo que queremos fazer e da direção que queremos tomar. (...) Com o passar dos anos, começámos a perceber que, se nos fossemos instruindo e ganhando várias valências dentro deste meio, poderíamos tirar vantagem disso e ir mais ao encontro daquilo que temos nas nossas cabeças. São cinco cabeças - que ainda assim até pensam mais ou menos da mesma forma -, mas torna-se mais complicado quando no processo participam pessoas que não vivem connosco, não são nossos amigos, muitas vezes a música requer isso", sublinha Roberto Caetano.

O álbum "NU" surgiu, assim, de um novo processo criativo, com os cinco músicos a fazerem de uma casa que reabilitaram em Reixida, distrito de Leiria, a sua residência artística. Um processo que, pela força das circunstâncias, reinventou as antigas "jams".

"A malta chega aos 30 e começa a ter preocupações que não tinha. Antes estávamos dentro de uma sala de ensaios e começávamos a fazer barulho todos ao mesmo tempo e, quando havia algo que era 'bom' para os ouvidos de todos, nós parávamos e evoluíamos aquela ideia. No álbum NU, estávamos todos a partilhar a mesma casa, mas começámos a perceber que dentro do grupo há dinâmicas diferentes, alguns até preferem criar durante a madrugada e as tecnologias vieram ajudar. O computador permite-nos fazer música como se tivéssemos oito quadros ao mesmo tempo na mesma sala e conseguíssemos pôr em stand by... em que chega um e manda um traço, depois vem outro esboça e pinta ali um bocado, depois vem outro e faz algo por cima."

O resultado? "Passámos de um primeiro videoclipe da música 'The Escape' que custou, sei lá... um menu Big Mac, que foi o que demos ao primo do Telmo para o garoto correr para aí dois ou três dias.... para uma qualidade que foi crescendo e que eu penso que é notória com a chegada do álbum 'NU'", refere.

De que forma pode a música tornar-se mais rentável?

Uma banda com "uma mentalidade empreendedora um bocado imatura em que a chapa ganha era chapa gasta". É assim que Roberto Caetano recorda "os garotos" dos First Breath After Coma quando tinham "músicas para gravar e não havia dinheiro". Em 2016, foram os fãs que financiaram o segundo disco "Drifter" através do crowdfunding.

"Correu bem, conseguimos editar e gravar e financiar o processo todo. Vai haver um momento na carreira ou na viagem de um artista ou de uma banda em que isso poderá fazer sentido. Acho que devem recorrer ao crowdfunding, porque também demonstra que têm público e se conseguirem chegar aos patamares que impõem no crowdfunding e conseguirem cumpri-los, é uma boa sondagem - monetária também- de que há público para eles. E isso é interessante e devem aproveitar."

Numa indústria onde, reconhece o vocalista e guitarrista, "as próprias plataformas digitais exploram os artistas" e em que o retorno de colocar algo nas plataformas é “uma migalha”, é importante também que os músicos estejam atentos aos apoios financeiros a que têm direito, como aquele que conseguiram para financiar grande parte da última tour, em 2019.

"Foi a GDA [Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas] que nos financiou uma boa fatia dos gastos, desde viagens, alimentação, estadia... esta base é muito cara mesmo. E a tour começou a ficar vantajosa e eu acho que isso deve ser explorado por qualquer artista, porque isto é só um exemplo dos vários apoios que os artistas têm", sublinha.

Ainda não foi desta, mas sonho de uma banda sonora já esteve perto

Aos jovens que ainda ponderam arriscar no mundo da música, Roberto Caetano deixa o conselho: "arrisquem com a cabeça no sítio".

"Este é um mundo de doidos, são mesmo muitos cães ao mesmo osso e, muitas vezes, enfrentamos pelo caminho alguém que não acredita em nós ou que acha que devíamos fazer as coisas de outra maneira. E eu acho que temos que ser sensatos no ponto de nos sabermos posicionar, de sabermos compreender aquilo que realmente queremos e de fazermos algo que seja realmente verdadeiro e sentido. Porque quando as coisas são feitas com verdade, com sentimento, com alegria e com vontade, independentemente de tudo o que está à nossa volta, as coisas vão acontecer a nosso favor."

É com esta convicção que os First Breath After Coma acreditam que ainda podem fazer uma banda sonora para um filme ou documentário.

"É um sonho enorme que temos. Já tivemos uma pequena experiência com uma encomenda para um filme mudo de um dos primeiros documentários que existiram em Portugal. Era feito por um português ali na zona da Covilhã e nós até lançámos essa banda sonora, mas ambicionamos algo maior. Por infelicidade, tivemos uma procura da Netflix, da série do Rabo de Peixe, para uma música nossa, mas estava empatado com outra música e acabaram por escolher a outra. Mas achamos que este sonho é palpável e que pode acontecer", remata Roberto Caetano.

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