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Geração Z
Nasceram na era das tecnologias de informação, são mais práticos e mobilizam-se por causas. Até dispensam o carro e a casa, também porque não têm grandes salários para pagá-los, mas arriscam ter o seu próprio negócio. Como podemos ajudá-los? Quais os medos que enfrentam? Que tal começarmos por ouvi-los? "Geração Z" é um podcast quinzenal, publicado à quarta-feira, às 18h, da autoria do jornalista Alexandre Abrantes Neves. Esta é uma parceria Renascença/Euranet Plus.
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Geração Z e o medo do compromisso

Geração Z e o medo do compromisso. "Será que ainda consigo uma pessoa melhor?"

19 jul, 2023 • Beatriz Lopes


Inês Melo, psicóloga clínica com especialização na área da sexualidade, admite que já lá vai o tempo em que um ramo de flores ou um jantar eram vistos com um maior romantismo. Jovens “querem alguém que acrescente algo às suas vidas" e na decisão pesa também “o que o outro pensa sobre questões sociais".

A Geração Z vive “muito mais ligada ao momento e está muito conectada com as suas necessidades emocionais”, mas isso “não significa que os jovens não têm objetivos”, como assumir compromissos a longo prazo ou ter filhos: apenas “são mais seletivos” na pessoa que escolhem para os acompanhar na vida. O diagnóstico é feito por Inês Melo, psicóloga clínica com especialização na área da sexualidade que, aos 26 anos, diz ajudar jovens a viverem “uma sexualidade mais livre, leve e feliz”.

Em entrevista ao podcast Geração Z da Renascença, Inês Melo admite que já lá vai o tempo em que um ramo de flores ou um jantar eram vistos com um maior romantismo. Na hora da descoberta, os jovens têm hoje maturidade emocional para perceber que “querem alguém que acrescente algo às suas vidas e não alguém para preencher um vazio”. Na decisão pesa também “o que o outro pensa sobre as questões sociais que também lhes interessam”.

"Os jovens têm cada vez mais uma maior consciência daquilo que é verdadeiramente importante num relacionamento e isso também passa por questões mais sociais: identidade de género, igualdade de género, questões políticas e sociais... Isso importa muito mais do que propriamente saber quando é que a pessoa me leva a jantar, ou como vai ser o nosso date, ou se vou receber flores... (…) são muito mais seletivos na pessoa que escolhem para os acompanhar na vida porque de facto essa pessoa não é imprescindível, é só um complemento maravilhoso e que os faz feliz de uma outra forma", sublinha.

É precisamente a Geração Z, jovens dos 18 aos 25 anos, que constitui a maioria dos membros de aplicações de encontros e de relacionamentos, como o Tinder. Aplicações que, na opinião de Inês Melo, também contribuíram para que os jovens tenham hoje uma “sensação de liberdade quanto às possibilidades futuras”, algo que “não tem necessariamente de ser uma coisa má". Ainda assim, admite a psicóloga, as aplicações de encontros podem dificultar o compromisso.

"Com o crescimento das Dating Apps, eles têm cada vez mais medo de estar a perder alguma coisa, que os faz pensar: ‘o que é que ainda não vivi? Que mais é que ainda existe para mim?’ E ao mesmo tempo, isto também pode constituir a falácia da felicidade em que muitas vezes caímos: ‘Será que eu ainda consigo uma pessoa melhor? Um relacionamento que me faça mais feliz e me preencha mais? Será que eu ainda consigo sentir-me mais realizada?’ Acho que esta sensação até pode ser um entrave ao assumir um compromisso".

Na verdade, sublinha Inês Melo, esta é uma geração que não se sente tão solitária quando não está num relacionamento, "que não tem tanto medo de estar sozinha", porque eles estão conscientes “de que os outros importam, mas eu importo um bocadinho mais”. E esta determinação pode até ser uma arma poderosa para se defenderem da pressão da sociedade que, "apesar de ter um peso cada vez menor, ainda existe muito".

“A idade que se considerava ‘normal’ para se juntar ou para casar, já aumentou significativamente. E para ter filhos também. Já não há tanto aquela pressão de casar aos 21 como era numa geração mais antiga. Já há muito mais esta normalização de casar aos 30, 35, o que seja. Mas, ainda assim, acho que há essa pressão principalmente no estar solteiro, não ter perspetivas de se juntar com o namorado...”

Ao consultório online de Inês Melo chegam sobretudo jovens “que têm dificuldade em descodificar as intenções do outro”, porque esta é uma geração que “apesar de ser muito comunicativa com as palavras, as palavras nem sempre se refletem nos comportamentos”. Nos relacionamentos mais longos, uma das principais preocupações é a sexualidade.

“É natural que, num relacionamento com mais anos, o desejo sexual possa diminuir: deixe de ser aquele espontâneo e passe a ser um desejo mais responsivo, que surge como resposta a um estímulo. E isto é bastante assustador para os jovens que, imaginando-se com esta pessoa para sempre, e com a observação das experiências sexuais satisfatórias dos outros, como de amigos que estão em Dating Apps. Eles preocupam-se muito com esta diferença também na frequência do desejo e do sexo e tudo isso lhes causa inquietação e ansiedade”, admite.

Inês Melo recusa a ideia de que os jovens de hoje “não têm qualquer problema em partir logo para outra” quando terminam uma relação e alerta para o julgamento precipitado e, por vezes, errado, de que são alvo.

“Não há uma medida padrão para curar as nossas feridas, cada pessoa tem o seu tempo. Porém, há pessoas que fazem o processo de luto de uma relação ainda estando dentro dessa relação. Quando começam a pensar ponderar em terminar a relação, este processo já está em andamento, eles já começam a pensar que o fim é inevitável, a pessoa passa por fases, como tristeza, raiva… E quando saem do relacionamento, este processo já vai bem avançado e isso pode ser até mal interpretado por outras pessoas. ‘Como é que tu conseguiste avançar tão rapidamente?’ Porque eu já tinha feito todo um processo antes de ter conseguido sair deste relacionamento”.

Sobre o futuro, a psicóloga acredita que os jovens vão continuar a confiar em aplicações de encontros e no match dos algoritmos, mas com uma tendência cada vez maior em privilegiar o contacto presencial.

“Acho que o futuro passa por mais reinvenções. Vão surgir ainda muitas novas formas de dating (aplicações ou não), cada vez mais congruentes com as necessidades dos jovens. Nós já temos aplicações que se foram aprimorando, como por exemplo o Bumble, que é uma aplicação mais feminista, também temos o Grindr [aplicação de encontros homossexuais]... Acho que o futuro passará por uma aplicação que permita aos jovens conhecer novas pessoas na sua zona de conforto que são as redes sociais, e ao mesmo tempo também fora do online. Eu sinto cada vez mais que os jovens também procuram isso: o contacto fora do online, conhecer a pessoa, saber como ela é, o que faz, como fala, como se apresenta, tudo isso. Isso foi uma necessidade cada vez mais importante, principalmente agora no pós-pandemia. Parece-me que o que o futuro talvez passe por aqui, uma junção desses dois mundos”, remata.

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