28 out, 2024 • Francisco Sarsfield Cabral
A Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou mais um livro: "Constituição - Os Limites da Política - 1822-1976", de Maria Lúcia Amaral, professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa; fez parte do Tribunal Constitucional (2007-2016) e é atualmente Provedora de Justiça.
Trata-se de um livro de 125 páginas, não sendo por isso muito extenso. São, todavia, páginas de enorme qualidade. A autora traça uma clara história das ideias em torno da noção de constituição, desde a Grécia antiga até hoje. Ora essa noção foi evoluindo, não só porque as realidades políticas foram mudando, mas também porque o pensamento jurídico, político e filosófico nunca ficou parado no tempo.
Não é meu hábito referir livros nesta coluna. Faço-o hoje porque a leitura deste livro me entusiasmou pela maneira inteligente, mas acessível, com que Maria Lúcia Amaral aborda temas centrais sobre a vida política ao longo dos séculos, uma reflexão muito esclarecedora quanto à evolução do poder constituinte, dos seus limites e das exigências que lhe foram sendo feitas. Por exemplo, a ideia de constituição teve, a certa altura, o papel de indicar aquilo que o Estado não deve fazer; mas no constitucionalismo moderno é cada vez mais importante aquilo que o Estado deve fazer.
No mundo profundamente desigual do século XVIII o iluminismo abriu caminho aos direitos humanos. Ideia a que, em França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ainda no período revolucionário, e a constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, começaram a dar corpo. Não é que o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei fosse absolutamente novo. Como a Autora lembra, Tucídides, no seu relato sobre a vida coletiva em Atenas, permite concluir que já então existia em torno da igualdade alguma reflexão teórica.
No desenvolvimento do pensamento constitucional em tempos mais modernos este livro não esquece, por exemplo, as contribuições de Hegel e de Marx. Assim como não ignora as crises no séc. XIX e a ascensão do nazismo e do fascismo na primeira metade do séc. XX.
O livro dedica uma parte final ao nosso país, abordando as três constituições do séc. XIX e as três do séc. XX. E lembra que, num dos seus discursos no início da década de 1930, dizia Salazar que a época das por ele chamadas “democracias parlamentaristas” tinha findado para sempre. “Enganou-se”.