08 fev, 2023
Perante um desastre da dimensão dos terramotos que abalaram a Turquia e a Síria, deixando muitos milhares de mortos e feridos, domina a perplexidade perante o absurdo e um absurdo sangrento. Uma tentativa para encarar o sucedido introduzindo-lhe alguma racionalidade é dizer que casas melhor construídas e infraestruturas mais sólidas poderiam ter atenuado o número de vítimas inocentes. É verdade, mas sabemos que a região onde os sismos aconteceram não é uma área onde predominem a riqueza e as construções modernas.
Num plano mais profundo, uma outra tentativa para racionalizar o absurdo é a antiquíssima ideia de que estes desastres têm como origem o “castigo de Deus”. Foi o que muita gente disse quando do terramoto de 1755, que destruiu grande parte da cidade de Lisboa. Tratar-se-ia de um castigo divino por causa da imoralidade que então grassaria entre a população da capital. Esta atitude mereceu então a troça dos filósofos racionalistas, como Voltaire.
Mas essa é uma ideia muito antiga e não apenas envolvendo desastres naturais. Por exemplo, há dois mil anos os leprosos eram marginalizados não só para não contagiarem outras pessoas, mas também porque a doença deles só poderia ser “castigo de Deus”. Ou seja, como desgraça não lhes bastava a lepra como, além disso, a infamante marca de uma maldição culposa.
É curioso que se cita pouco o que disse Jesus Cristo a este respeito. Referindo-se à morte de alguns judeus às mãos de Pilatos e também à trágica queda da torre de Siloé, disse Jesus: “Julgais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem assim sofrido? Não (...) E aqueles dezoito sobre os quais caiu a torre de Siloé, matando-os, eram mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém? Não.” (Lucas, 13, 1-5).
Jesus disse também “quem me vê, vê o Pai”. O Deus de Jesus Cristo não é um justiceiro castigador. Mas não nos livra do absurdo de alguns desastres naturais.