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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​A Turquia e a NATO

06 jul, 2022 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A Turquia não é uma democracia. O regime de Erdogan tende para a ditadura e para uma aproximação ao Islão. Algo que contraria a herança de Ataturk, o militar que conduziu o país à independência no fim da I Guerra Mundial.

Há dias, a Turquia impediu o acesso da sua população a duas importantes emissoras de notícias, a americana Voz da América e a alemã Deutsche Welle. As autoridades turcas invocaram que essas estações alimentavam tensões entre Ancara e o ocidente.

O veto de Erdogan à entrada na NATO da Suécia e de Finlândia só foi levantado na reunião da Aliança Atlântica em Madrid e com importantes concessões de suecos e finlandeses, nomeadamente no que respeita aos curdos. Erdogan tem o hábito de classificar de terroristas aqueles que, de alguma forma, se lhe opõem. As atitudes turcas, mais ou menos belicosas, suscitam irritações no seio da Aliança Atlântica.

A NATO gosta de se apresentar como uma aliança defensiva das democracias pluralistas. Ora, Portugal fez parte do grupo de 12 países que em 1949 lançou a NATO – e não era obviamente uma democracia. Portugal tinha os Açores no meio do Atlântico, cuja utilização interessava aos americanos, ponto final.

A Turquia está numa posição geográfica estratégica, entre a Europa e o Médio Oriente, controla o acesso ao mar Negro e tem fronteira com a Rússia. Além disso, as forças armadas turcas são as mais poderosas da NATO, depois das norte americanas. Por isso, a NATO resigna-se à autocracia que Erdogan construiu naquele país, bem como à crescente islamização da Turquia.

Mas o regime repressivo de Erdogan não é uma tradição turca. Ataturk, o militar e herói da independência turca no fim da I guerra mundial, fundou uma república laica, fortemente protegida pelos militares. Erdogan logrou impor-se aos militares e tem vindo a edificar um regime ditatorial tendencialmente simpático ao Islão, sendo que a religião islâmica é largamente maioritária na Turquia.

A Turquia solicitou a adesão à então CEE em 1987. E em 1999 a UE considerou aquele país candidato à adesão. Mas as coisas complicaram-se depois. Hoje ninguém prevê que a Turquia, pelo menos com o seu atual regime político, possa vir a entrar na UE.

Erdogan condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas não aceitou aplicar sanções. Em 2017 a Turquia comprou à Rússia mísseis antiaéreos. Washington não gostou e suspendeu a venda de caças F16 à Turquia, decisão revertida depois do levantamento do veto à entrada Suécia e da Finlândia na NATO. Erdogan pratica, assim, um complicado equilibrismo, que obviamente suscita reações.

Os autocratas surpreendem-nos, por vezes, com decisões sem sentido. Erdogan não aceita que o banco central turco seja independente. E, ao arrepio da teoria económica, quer combater a inflação com... juros baixos.

O que, naturalmente, tem levado a uma inflação galopante. A subida dos preços andará ali pelos 73% ao ano, mas o “Economist” diz que a subida real dos preços deverá ser o triplo dos números oficiais. A situação económica da Turquia é assim melindrosa.

A popularidade de Erdogan desce nas sondagens. Daí que ele se empenhe em conquistar pequenas vitórias internacionais, pois tem eleições no próximo ano (como os portugueses sabem, pode haver eleições em ditaduras).

As concessões que Erdogan arrancou à Suécia e à Finlândia foram uma dessas vitórias.

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