02 mai, 2022
Na semana passada A. Guterres, secretário-geral da ONU, tentou dar um impulso a um cessar-fogo na Ucrânia que permitisse salvar vidas a milhares de civis. As expectativas não eram altas, mas a ida de Guterres a Moscovo e a Kiev tornou clara a extrema dificuldade de levar Putin até a um mero acordo humanitário.
Quando a invasão russa começou, há dois meses, Guterres condenou sem qualquer ambiguidade uma guerra que viola o direito internacional e a Carta das Nações Unidas. Putin não gostou, naturalmente.
Depois o secretário-geral da ONU esteve calado durante semanas, porventura na esperança de tornar menos radical a posição de Putin. Mas este recebeu Guterres com uma finalidade manifesta: humilhar o secretário-geral e a organização multilateral que ele lidera.
Guterres revelou que tinha conseguido um acordo de princípio no encontro com Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, sobre a evacuação pacífica dos civis cercados numa fábrica em Mariupol; acordo com o qual Putin teria depois concordado. Ontem à tarde surgiram finalmente sinais de que algumas dezenas de civis começaram a sair da fábrica, que foi barbaramente bombardeada durante os últimos dias.
Antes disso, Putin não encontrou melhor forma de se despedir de Guterres: enviou mísseis de alta precisão (segundo um porta-voz do Kremlin) contra Kiev, onde se encontrava o secretário-geral da ONU. Ou seja, Putin quis vingar-se das justas acusações de Guterres.
Deve, aliás, ser complicado negociar com interlocutores como Putin e Lavrov, que não consideram ter a Rússia invadido a Ucrânia nem ter desencadeado ali uma guerra feroz. Guerra que está a correr mal a Putin, que assim terá dado luz verde aos seus militares para usarem o terror, à semelhança do que antes se vira na Chechénia e na Síria.
Como, de outra forma, compreender que os tais mísseis de alta precisão tenham destruído tantos prédios em zonas residenciais e morto tantos civis? Os inúmeros crimes de guerra têm um objetivo óbvio: dominar pelo terror um povo que se mostrou heroico. Além de compensarem, até certo ponto, as falhas do exército russo.
A propósito de terror, é chocante que ele atinja refugiados ucranianos em Portugal. A mando de Putin, em Setúbal, e parece que também noutros locais, esses refugiados foram assediados com perguntas sobre os seus familiares que ficaram na Ucrânia.
A embaixadora da Ucrânia havia já alertado para organizações pró-russas estarem a tentar recolher dados familiares dos refugiados ucranianos. É uma situação que envergonha Portugal.