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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​Os ingleses e a Irlanda

14 abr, 2021 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O problema da fronteira que separa a República da Irlanda do Ulster (Irlanda do Norte) foi aparentemente superado nas negociações do Brexit. Só que a solução não agrada às comunidades protestantes do Ulster. A violência regressou ao território, que é parte do Reino Unido. Mas a aparente falta de interesse de Londres sobre o que ali se passa não ajuda.

A violência regressou à Irlanda do Norte (Ulster) este mês. Os governos do Reino Unido e da República da Irlanda estão em negociações para tentarem acalmar os protestantes do Ulster. Recorde-se que entre finais da década de 60 do séc. XX e o acordo, chamado de “Sexta-feira Santa”, assinado em 1998, os conflitos entre as comunidades protestantes e católicas fizeram milhares de mortos. Nessa mortandade tiveram papel importante o IRA (Exército Republicano Irlandês), que promoveu numerosos atentados terroristas, e as milícias armadas protestantes, que mataram e feriram muita gente.

Aquele acordo de 1998 trouxe a paz. Mas nele prevê-se que a fronteira entre o Ulster e a República da Irlanda se mantenha aberta. Só que o Brexit (contra o qual votou a maioria dos eleitores do Ulster) retirou o Reino Unido não só da UE como também do mercado único europeu. A fronteira que separa a República da Irlanda do Ulster passaria, deste modo, a ser uma fronteira externa da UE, necessariamente não aberta.

Este problema, que dominou desde o princípio as negociações do Brexit, terá sido ultrapassado mantendo o Ulster no mercado único europeu. Assim, tem que passar a haver uma fronteira entre o Ulster e o resto do Reino Unido - teoricamente no mar, entre os dois territórios, mas necessitando de controles portuários e outros, para que, por essa via, não entrem no mercado único europeu mercadorias britânicas sem pagar direitos aduaneiros.

Naturalmente que esta solução não agradou aos políticos protestantes do Ulster, que temem que este território do nordeste da ilha acabe por se integrar na República da Irlanda. Essa é a esperança a longo prazo do Sinn Fein, braço político do IRA, que largou o terrorismo para se tornar um partido democrático. O acordo de Sexta-feira Santa prevê que uma integração na República da Irlanda poderá acontecer se a maioria da população do Ulster assim o decidir, numa votação democrática.

Ora, no Ulster, que tem menos de dois milhões de habitantes, a população católica ainda não é maioritária, mas cresce mais do que a protestante, a qual se divide entre presbiterianos (a maior parte), anglicanos e metodistas. É por isso provável que, daqui a anos, o Ulster, cujo território representa um sexto do território da ilha, acabe por se integrar na República da Irlanda. O governo de Dublin aguarda calmamente que chegue esse dia; entretanto esforça-se por evitar ações violentas no Ulster.

A frustração dos políticos protestantes do Ulster, acérrimos partidários da pertença ao Reino Unido, também tem a ver com o visível desinteresse dos britânicos por aquele pequeno território. O governo de Boris Johnson dispõe de uma larga maioria na Câmara dos Comuns, o que não acontecia na última fase do governo de T. May, que dependia dos deputados de um pequeno partido da Irlanda do Norte para ter ali maioria.

Os britânicos, em particular os ingleses, no passado exploraram duramente a Irlanda, que era uma espécie de colónia britânica com escassa autonomia política. E sempre olharam os irlandeses, mesmo quando eram oficialmente membros do Reino Unido, como cidadãos de segunda. Só em 1949, com a proclamação da República, teve a Irlanda soberania plena.

Agora, Londres preocupa-se sobretudo com a perspectiva de a Escócia abandonar o Reino Unido, que assim ficará desunido. Nada para o que antigos primeiros-ministros britânicos, como John Major e Tony Blair, não tenham prevenido antes do referendo de 2016, ganho pelos defensores da saída da UE.

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