02 jun, 2023 • Sérgio Costa
Portugal continua a desrespeitar de forma "aberta, clara e ostensiva" a Convenção de Istambul, acordo assinado entre vários Estados-membro do Conselho da Europa para o combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica.
A acusação da juíza do Supremo Tribunal de Justiça, Teresa Féria, no programa Em Nome da Lei, baseia-se no facto de, em Portugal, a violação sexual ser um crime cuja investigação continua a depender da queixa da vítima.
Há quem defenda, por essa mesma questão, que a violação deveria passar a constituir crime público. Neste momento, a legislação enquadra o ato como crime semipúblico.
Um crime público é um crime sobre o qual o procedimento, investigação e ação das autoridades está dependente apenas da sua notícia pelas entidades judiciárias ou policiais, bem como da denúncia de qualquer pessoa.
As forças policiais e funcionários públicos são obrigados, por isso, a denunciar os crimes de que tenham conhecimento no exercício de funções.
Nos crimes públicos, o processo corre mesmo contra a vontade do titular dos interesses ofendidos.
Um crime semipúblico é um crime sobre o qual o procedimento necessita de uma queixa da pessoa com legitimidade para o fazer - ou seja, ou da própria vítima, ou de um representante legal ou sucessor.
Nos crimes semipúblicos, é admissível a desistência da queixa.
Exatamente. Para que as autoridades possam desencadear um procedimento é necessária uma queixa. Caso contrário, o processo não será aberto.
Há uma petição nesse sentido, na qual os promotores entendem que será a única forma de garantir, em muitos casos, a ação das autoridades. Porquê?
Parece uma contradição, mas, efetivamente, muitas vítimas receiam a retaliação do agressor e a própria estigmatização social, acabando por não fazer queixa em muitos dos casos.
Desde logo a possibilidade de condenações injustas. Se não é necessária queixa da vítima, bastará uma denúncia de qualquer pessoa.
Acredita-se haver o risco de denúncias falsas e de alguém eventualmente inocente passar a ser escrutinado pelas autoridades.
De acordo com os dados mais recentes, em 2022, registaram-se em Portugal mais de 500 inquéritos por crime de violação, o que representa uma subida de 26%, a maior dos últimos 10 anos. Estes números são confirmados pelo relatório Anual de Segurança Interna.
De acordo com essas informações, esta subida prende-se com o facto de ter aumentado o número de violações praticadas por desconhecidos. Os dados anteriores davam conta de crimes cometidos em grande escala no seio familiar.