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Portugal nas guerras do gás

"Só quando pudermos confiar uns nos outros é que estaremos mais seguros e autónomos para enfrentar as ameaças”

30 set, 2022 • José Pedro Frazão


Para dar gás à proposta do MIDCAT, um gasoduto de raíz ibérica para fornecer o resto da Europa, o Secretário de Estado dos Assuntos Europeu apanhou esta terça-feira um avião para Paris para uma reunião com a sua homóloga. Mas o maior trunfo de Tiago Antunes era alemão. Os germânicos estão ao lado de Portugal e Espanha neste processo. O estabelecimento de um tecto para o preço do gás é outra história, onde os alemães não estão ainda convencidos. O tema deve voltar à mesa do Conselho Europeu na cimeira de Praga a 7 de Outubro.

Em entrevista à Renascença, o Secretário de Estado dos Assuntos Europeus insiste na necessidade da aquisição conjunta europeia de gás e na definição de limites ao preço do gás.

Não há ainda acordo europeu sobre esse ponto da frente europeia para mitigar os efeitos da inflação e da necessidade decretada de travar a dependência do gás russo. Portugal quer produzir e exportar hidrogénio verde, mas também quer ser uma das grandes portas de entrada do gás natural liquefeito que vem por exemplo dos Estados Unidos.

Para isso, o Governo espera que no espaço máximo de seis meses o porto de Sines esteja totalmente preparado para a trasfega de gás entre navios. Enquanto isso vai desenvolvendo uma ofensiva diplomática para impor a solução de um gasoduto que transponha os Pirinéus e, nesse ponto, Tiago Antunes diz haver sinais de esperança nas conversas com França.

A França é sensível ao argumento português de que estas interligações são importantes ?

A resposta que recebi, em função dos argumentos portugueses mas também espanhóis e alemães, foi uma disponibilidade de França para revisitar o tema com novos olhos e mente aberta. Temos vindo a sustentar um interesse geoestratégico desta infraestrutura, não só para os nossos estados-membros mas também para o interesse europeu. É isto que explica o interesse da Alemanha nesta interconexão que ligue a Península Ibérica ao resto da Europa.

Os argumentos são de natureza politica, económica e geoestratégica. Faz sentido tirar partido do potencial da Península Ibérica no imediato. Temos 7 terminais de gás natura liquefeito (GNL) como porta de entrada de matéria energética na Europa como alternativa à Rússia. No futuro, há que explorar o potencial enorme que a Península Ibérica tem para produzir hidrogénio verde de forma limpa e barata. O hidrogénio é a energia do futuro na Europa, como já foi identificado pela Comisso Europeia.

Queremos ser parte da solução, ajudando a Europa, quer através da receção de GNL pelo terminal de Sines e através da produção de hidrogénio verde e da sua exportação para a Europa. Para esse efeito, é necessário concluir as interligações entre Portugal, Espanha, França e o resto da Europa, para que possamos disponibilizar aos nossos parceiros europeus o potencial que temos no presente e no futuro em torno do hidrogénio.

A posição alemã, que parece um trunfo utilizado por Portugal. está consolidada ?

O chanceler alemão já reafirmou o interesse da Alemanha na conclusão desta infraestrutura que liga a Península Ibérica ao resto da Europa. Isso mostra como há um interesse europeu e como a Península Ibérica pode ser uma solução para o problema energético que se coloca neste momento na Europa em função da guerra na Ucrânia.

O Governo aprovou a aceleração das infraestruturas em Sines . Há um calendário para que estas unidades estejam preparadas para fornecer uma alternativa imediata à Europa?

Enquanto não há este gasoduto que nos ligue ao resto da Europa, o Porto de Sines pode, já no imediato, poder servir de solução através da transferência de grandes barcos metaneiros que trazem GNL de outras proveniências do Globo que pode ser transferido para barcos mais pequenos que forneçam o resto da Europa. Esses pequenos investimentos estão em curso no Porto de Sines para que, a muito breve trecho, tenhamos disponível esta solução de "transhipment".

Esta solução pode estar disponível num prazo de 3 a 6 meses. O gasoduto levará mais tempo. No imediato, temos esta solução de curto prazo. Há ainda uma outra solução que tem estado a ser estudada recentemente que é uma ligação direta entre Espanha e Itália, para que possa haver um fornecimento pela Península Ibérica para o resto da Europa na atualidade no gás natural e no futuro no hidrogénio.

Se fosse tomada a decisão de avançar agora com o MIDCAT, tecnicamente em quanto tempo poderia estar operacional ?

Este tema está ainda a ser estudado. Creio que esse gasoduto poderia ser construído num curto número de anos.

Admite que as recentes explosões no gasoduto Nordstream terão influenciado a abertura francesa ?

Não sei dizer. Independentemente dessa questão, o tema já fazia sentido antes da guerra na Ucrânia. O argumento agora é ainda mais evidente porque precisamos de diversificar na Europa por uma questão de segurança de abastecimento e de autonomia estratégica da Europa. É preciso que os estados membros estejam ligados entre si. Enquanto não tivermos interconexões, estaremos sempre dependentes de alguma potência estrangeira de alguma parte do Globo.

Só quando pudermos confiar uns nos outros e nas ligações entre nós é que estaremos mais seguros e autónomos para enfrentar estas ameaças. Por isso a importância de criar uma autêntica união europeia da energia. Para isso é preciso que os estados membros estejam plenamente interligados, o que não acontece neste momento.

A Península Ibérica é uma espécie de ilha energética e falta corrigir esse aspeto e interligar a Península Ibérica com o resto da Europa, para sejamos mais sólidos, resilientes, autónomos e mais capazes de lidar com estas ameaças como as que estamos a viver.

A aprovação do pacote de medidas implica novos contactos com a Alemanha para conseguir a pretensão portuguesa de um teto para o preço do gás.

A posição portuguesa faz parte de um grupo de 15 estados membros que são a favor da fixação de um teto ao preço do gás. Cremos que esse passo tem que ser dado. O gás é mais caro na Europa do que noutras partes do mundo, o que não faz sentido. Devemos avançar na limitação do preço do gás que é importado e sobretudo avançar a aquisição conjunta de gás. Na pandemia ,a aquisição conjunta de vacinas foi um sucesso como uma solução que permitiu resistir melhor a essa ameaça sanitária.

Agora, em vez de competir por fornecimentos de gás, faz sentido juntar o nosso poder de mercado e fazermos aquisições conjuntas que permitirão baixar os preços . A aquisição conjunta de gás e a definição de limites ao preço do gás são dois aspetos que ainda faltam ao conjunto de respostas que a UE está a dar a este problema.

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