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Ucrânia quer ajuda da Judiciária no combate ao crime económico

16 set, 2022 • José Pedro Frazão


O Gabinete de Segurança Económica da Ucrânia é responsável pelo controlo financeiro do acordo entre Bruxelas e Kiev. Criado poucos meses antes da invasão russa, este novo organismo mistura competências de análise económica com responsabilidades no combate anti-fraude.

Anatoliy Aleksandrov foi um dos oradores das Conferências do Estoril. Em entrevista à Renascença, o director da divisão de cooperação internacional do Gabinete de Segurança Económica da Ucrânia explica os desafios do combate ao crime num país em guerra.

A candidatura à União Europeia obriga também a reestruturar o aparelho público e a prestar garantias de transparência e combate ao crime económico. É aí que entra este organismo, criado em 2021, hoje preocupado com questões como sanções e evasão fiscal na ajuda humanitária.

Quais são os principais desafios em termos fiscais e de segurança económica da Ucrânia?

A situação que vivemos agora representa a mudança mais crítica que tivemos na nossa agenda. Temos novas relações numa situação que comporta também novos riscos e ameaças para todos os que vivem neste momento na Ucrânia. Estamos a tratar não apenas sobre migração, mas estamos também a falar de dinheiro e de uma situação instável na fronteira. Hoje em dia já entendemos a nossa situação e os possíveis riscos, mas nos primeiros dias foi necessário mobilizar tudo o que tínhamos para saber como agir em diferentes casos.

A nossa prioridade neste momento é não apenas analisar, mas sobretudo prevenir. O gabinete de segurança económica da Ucrânia, no quadro das nossas instituições estatais, é fundamentalmente um organismo de análise, que recebe informação de todo o sector estatal, faz previsões e previne violações da lei.

Um dos principais tópicos da nossa agenda diz respeito às sanções. É um dos instrumentos fundamentais que devem ser usados pela Ucrânia e pelos nossos parceiros internacionais para evitar os próximos passos da agressão e mobilizar externa e internamente todas as forças de oposição na Rússia. Dentro da Ucrânia, tentamos analisar como estávamos antes da agressão e tínhamos realmente grandes violações das nossas leis e atividades ilegais de investimentos com origem na Rússia que foram destruindo criticamente diferentes áreas da nossa economia.

Estamos agora a fazer uma auditoria profunda de todas essas ações nos últimos 10 anos. Não é um quadro bonito. É fundamental descobrirmos não apenas o que está a acontecer como também reconhecer as principais ameaças com origem nessas pessoas, que acabam por bloquear a economia ucraniana ao ponto de a colocar numa situação realmente difícil.

Outra área de ação diz respeito à prevenção de violações da lei em qualquer tipo de ajuda humanitária. Estamos perante situações e riscos novos, novas oportunidades para comércio ilegal que tentamos travar por duas vias, pelo trabalho analítico e através das autoridades de investigação. Nesta situação de invasão e de guerra, a prioridade vai para a aplicação da lei, porque agora estamos a encontrar violações da lei realmente muito fortes, através da ajuda humanitária, irregularidades fiscais, relações entre alfândegas e ajuda humanitária e aplicações erradas da política de sanções.

Estamos a tentar identificar possíveis grupos de comércio ilegal. Procuramos obter informações de contexto fora do país e precisamos de uma troca de informações realmente grande. Precisamos nos apoiar mutuamente.

Temos áreas de responsabilidade realmente grandes, com poderes, mas precisamos de reconhecer os nossos principais parceiros. Estou a tentar obter esse contexto com parceiros como a Polícia Judiciária. É muito bom que tenhamos uma boa ligação, que nos possamos entender e apoiar e não apenas no domínio da troca de informações. Também temos interesses sobre indivíduos ou empresas ucranianas que têm ação no vosso território.

Em matéria de ajuda humanitária, estamos a falar de evasão fiscal? Que tipo de problemas enfrentam com a ajuda humanitária?

Principalmente trata-se de uma questão de comércio ilegal. Por exemplo, agora investigamos alguns casos em que grupos de pessoas, ucranianos ou até os russos, surgem como organizações públicas que angariam apoio monetário de estrangeiros, por exemplo, dos cidadãos da UE.

Muitos ucranianos, mesmo ainda na Ucrânia, tentam apoiar as nossas forças, partilhando dinheiro para comprar alguns equipamentos. De acordo com as alterações que fizemos à nossa legislação, se os bens entram na Ucrânia como ajuda humanitária, não pagam taxas. Mas se alguém tenta usar este sistema, através de alguns esquemas, ao receber dinheiro das pessoas com o qual compram bens que vêm para a Ucrânia como ajuda humanitária, para depois comercializar estes bens no mercado, isso é ilegal.

Essa fração de casos é minoritária?

São violações gritantes. Num caso, temos violações de mais de 1,3 milhões de euros só de um grupo com apenas quatro pessoas. Foi aberta uma investigação criminal, pois não pagaram o imposto devido e ganham com o comércio ilegal.

Estive na fronteira polaca com a Ucrânia em março. Recebi relatos de pessoas que estavam a canalizar a ajuda portuguesa para a Ucrânia e foram abordados por ucranianos que estavam a tentar comprar o conteúdo dos camiões de ajuda humanitária. Esta situação ainda acontece na Ucrânia?

São casos que podem sempre acontecer. Não é uma maioria, pelo que percebemos. No terreno, tentamos desde logo coordenar essa ajuda humanitária, porque entendemos que, se assim não for, será maioritariamente ilegal, usado para ganhar muito dinheiro sobre a intenção patriótica dos nossos cidadãos. É por isso que estamos a tentar manter isto tudo de uma forma legal, registando tudo o que conseguimos controlar. Para fazer chegar ajuda a uma cidade, precisa de ter uma carta oficial de um grupo de pessoas dessa cidade a provar que precisam desse tipo de fornecimentos.

Está a incluir os bens de auto-defesa?

A auto-defesa faz parte das nossas forças e da nossa proteção. São os nossos guerreiros, não estão fora do sistema de proteção do país.

Encontramos muitos apelos para doar dinheiro para comprar drones e outro material militar para as linhas da frente do exército ucraniano. Essa operação é legal?

Não, não é legal. Pessoalmente, também contribuí com o meu próprio dinheiro para comprar dois drones, contando com o apoio dos meus colegas da nossa divisão.

Mas o que acontece em termos de impostos?

É como a ajuda humanitária, não tem quaisquer impostos. Se trouxer algo necessário, se for classificado como ajuda humanitária oficial da Ucrânia e mostrar quem é o destinatário final da ajuda na linha da frente, não há nenhum problema. É tudo legal e oficial.

Mas regista cada drone comprado com esse dinheiro?

Não, os drones não são registados. Nós apenas verificamos a carta que deu inicio a esse processo e onde está esse dinheiro. Não controlamos tudo em detalhes, por itens. Apenas averiguamos se é algo legal ou se faz parte de um qualquer esquema que escapa à lei.

Asseguram que é algo comprado legalmente no mercado externo?

Nós apenas verificamos os documentos principais. Precisamos de saber apenas se este item irá para um destinatário para quem este bem é necessário, como acontece na linha da frente.

Referiu o estabelecimento de uma ligação com a Polícia Judiciária em Portugal. O que é que nos pode dizer mais sobre isso?

O nosso escritório é uma instituição estatal nova, começámos a operar apenas no final do ano passado. É por isso que precisamos fazer esta rede de parceiros porque combinamos muitas funções nas nossas estruturas.

Tentamos reconhecer os principais parceiros que têm a mesma agenda e que nos podem proporcionar apoio crítico no nosso desenvolvimento institucional, em troca de informações, tudo o que diga respeito a investigação e proteção do Estado, na sua segurança económica e financeira. A vossa Polícia Judiciária acaba por ser o nosso parceiro principal nestas áreas de responsabilidades.

Mas o que pretendem em concreto desta relação?

Nós começamos por partilhar a nossa visão como primeiro passo para estabelecer uma base legal para a nossa cooperação com o objetivo de assinar um primeiro documento, um memorando de entendimento. Ali estabelece-se a descrição das nossas competências e da parceria. Estamos à espera de uma resposta oficial. É, para nós, fundamental estabelecer essa ponte entre a Ucrânia e Portugal, porque poderemos ser parceiros realmente produtivos e eficientes. E estamos realmente num momento crucial para dar passos rápidos nesse sentido.

Que tipo de problemas desejam prevenir?

Os negócios hoje em dia são processos internacionais. Tentamos descobrir tendências e esquemas em sanções, uma vez que a Rússia está a tentar usar algumas empresas ou alguns indivíduos para fazer estas "pontes" em violação das sanções e para aumentar as suas receitas para a guerra. Precisamos de comunicar, porque alguns indivíduos, não apenas de Portugal mas com entidades estabelecidas no vosso território, exercem uma atividade ilegal e isso é crucial para a vossa legislação. Trata-se de uma atividade criminosa e ilegal e nós temos informações que podemos fornecer em muitos casos.

E quanto à evasão fiscal?

A evasão fiscal, tal como a fraude, é a nossa principal responsabilidade, porque todos os processos criminais passam pelo nosso escritório.

E cresceu durante a guerra?

Penso que não. O nosso governo tentou mudar o sistema na área fiscal e alfandegária, porque já reconhecemos os riscos e possíveis violações e sabemos agora como funciona o mercado. Fizemos evoluir o sistema e prevenimos essa situação. Não é fácil, porque se alguém tiver uma oportunidade para fugir, alguém a usará. Tentamos ser os primeiros a tentar reconhecer e prevenir essas violações.

A economia informal aumentou ou não com a guerra na Ucrânia?

Não posso fornecer essas informações, mas são duas realidades diferentes. Neste momento, o Estado está a tentar ajudar toda a gente que está agora na Ucrânia para mudar as regras. E se tivermos realidades diferentes, conseguimos compará-las porque agora temos dois retratos diferentes. Eventualmente, ao longo deste ano, quando finalizarmos as nossas alterações ao sistema, poderemos fornecer esse trabalho analítico sobre economia informal. Mas, neste momento, estamos em reconstrução ou reorganização como sistema e precisamos de algum tempo.

Esse tempo de que precisa está também relacionado com a adaptação ao quadro europeu, tendo em conta a candidatura à União Europeia?

O nosso escritório é o principal organismo do Estado responsável pela parte do controlo financeiro do acordo. Entendemos completamente a nossa responsabilidade e estamos agora a tentar fazer com que este trabalho funcione. Anteriormente, não havia tanta combinação de poderes num só organismo do Estado e dividiam-se muitas informações e práticas de trabalho. Precisamos agora destes instrumentos para fornecer resultados reais.

Como referi, somos um novo corpo do Estado e fomos nomeados para sermos responsáveis pelo controlo dos gastos dos dinheiros europeus. Estamos por isso a desenvolver estas novas metodologias e queremos também envolver os nossos parceiros como a vossa Polícia Judiciária, porque precisamos da sua experiência.

Já dispõe dessas ferramentas de controlo para saber como são usados os fundos europeus?

Já temos muitas iniciativas legais que fornecem esses instrumentos. Temos o apoio da alta administração, o presidente e o primeiro-ministro apoiam-nos.

E somos também apoiados pelos cidadãos porque todos entendemos que se controlarmos o dinheiro europeu e garantirmos eficiência em qualquer tipo de apoio, ficará claro se precisamos realmente desse volume de apoio e para onde é distribuído.

Consegue garantir essa transparência?

Nós fazemos isso. Ainda não temos esse dinheiro, porque se consultarmos a lista da assistência técnica à Ucrânia, não está lá incluído esse dinheiro europeu. Não é dinheiro para orçamento, trata-se primordialmente de assistência técnica ou créditos. Temos agora um ano para fornecer esse trabalho não apenas para o Estado mas também para os nossos parceiros da União Europeia.

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