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O que já se sabe sobre o pré-acordo de Brexit (que pode sair caro a Theresa May)

15 nov, 2018 • Rui Barros com redação


Dois anos depois, a saída do Reino Unido da União Europeia parece ter entrado na reta final. Não sem grande drama e muitas incógnitas.

Dois anos e meio depois de uma maioria dos eleitores do Reino Unido ter votado para sair da União Europeia - processo que ficou popularmente conhecido como Brexit - a primeira-ministra britânica apresentou, esta quinta-feira, o esboço de acordo da saída negociado com Bruxelas.

O acordo parece não agradar tanto à oposição como a uma grande ala do próprio Governo conservador. Face aos planos, seis membros do executivo demitiram-se ao longo do dia, incluindo o ministro da tutela.

Mas, afinal, em que consiste o acordo técnico para o Brexit?

O que é o pré-acordo do Brexit?

Pense neste documento como um acordo que estabelece todas as condições do divórcio. São 585 páginas, detalhando tudo o que possa imaginar sobre a separação: abandono do mercado único, o fim da livre circulação de bens e de pessoas que existe no Espaço Schengen, o fim dos mercados comuns agrícola e pesqueiro, entre outros.

A questão mais forte - e que levou muitos britânicos a votar “sim” no referendo - é o controlo de pessoas na fronteira. Mas isto poderia significar também o regresso de uma fronteira terrestre entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, com controlos fronteiriços e mais obstáculos a todo o tipo de circulação, incluindo de mercadorias e capital.

Para além desta questão, o pré-acordo procura tranquilizar os estrangeiros que vivem no Reino Unido e os ingleses que vivem em Estados-membros da UE e procura definir as relações económicas entre os dois lados, de modo a que o Reino Unido não fique sem acordo com a comunidade europeia e perca todos os acordos comerciais de uma assentada.

Porquê tanto tempo para fechar este esboço de acordo final?

Demorou dois anos, no fundo, porque foi preciso fazer convergir as expectativas britânicas com as expectativas europeias, e no meio disto há uma questão bicuda: a fronteira com a Irlanda.

O Reino Unido e o Governo de May tentaram um Brexit “leve” (Soft Brexit): ou seja, o Reino Unido queria deixar de respeitar a livre circulação de pessoas e ter maior controlo sobre a sua economia, mas queria, ao mesmo tempo, continuar a pertencer ao mercado único.

Esta não era, no entanto, a vontade de alguns apoiantes da saída, para os quais o “Soft Brexit” era uma tentativa do Governo de fazer com que o Reino Unido ficasse com um pé fora e outro dentro do bloco.

Forçar um Brexit nestas condições - o chamado “hard Brexit”, ou Brexit rígido - implica o regresso dos controlos alfandegários e, aqui, a fronteira irlandesa volta a ser um problema. Criar uma fronteira entre os dois países, sendo que a Irlanda é um Estado-membro da UE e que a Irlanda do Norte integra o Reino Unido, levaria à separação de famílias e comunidades que coabitam na ilha e criaria uma alfândega num território dependente economicamente das trocas comerciais com o país vizinho.

Era por isso preciso definir qual a melhor solução para britânicos e europeus. Acordou-se que um tratado comercial será delineado, abarcando também a questão das novas tecnologias, para resolver o problema do controlo da fronteira. Entretanto, a União Europeia propôs o conceito de “backstop”, que permitirá à Irlanda do Norte ficar dentro do mercado comum durante um período de transição até que novos acordos sejam assinados.

O Governo de May aceitou esta proposta, mas só temporariamente. Os britânicos não querem um “backstop” apenas na Irlanda do Norte, já que teria de haver algum controlo entre a Irlanda do Norte e a ilha principal da Grã-Bretanha. Portanto, propuseram que houvesse um tratamento igual para todos, ou seja, um “backstop” para todo o Reino Unido.

A União Europeia rejeitou liminarmente a contraproposta e exigiu que haja alguma forma de transição fronteiriça. O mais certo é que as negociações deste ponto continuem em curso (podem prolongar-se até 2020) para definir um acordo de trocas comerciais que não obrigue a separar os irlandeses com uma fronteira física rígida.

Em que é União Europeia e Reino Unido concordam?

No jogo do Brexit, União Europeia e Reino Unido tiveram de fazer concessões.

O Reino Unido queria permanecer completamente no mercado único e sair quando quisesse. A União Europeia não permitiu isso e, como em quase tudo neste longo processo, procurou-se chegar a um meio termo: os dois países concordaram que o Reino Unido permanecerá dentro do mercado único e que só poderá sair quando a União Europeia achar que já existem acordos comerciais suficientes entre Londres e Bruxelas.

Além disso, o Reino Unido aceitou estar nas mesmas condições dentro da união aduaneira. O que significa isto? Membros da União Europeia e alguns países fora da UE não podem ter os acordos comerciais que quiserem, esses acordos têm de passar primeiro pelo crivo da UE.

Assim, temporariamente o Reino Unido fará parte da união aduaneira e do mercado único (para que os produtos continuem a circular livremente) e terá de se reger pelas leis europeias em matérias fiscais, económicas, aduaneiras, de trabalho, etc.

Este pré-acordo agrada a alguém no Reino Unido?

A única pessoa que parece otimista em relação ao esboço de acordo é mesmo Theresa May, já que, do Parlamento e do próprio Executivo só vieram críticas - seis ministros e secretários de Estado demitiram-se à custa dele.

Os apoiantes do Brexit receiam que, com a Europa a controlar a saída do Reino Unido da união aduaneira, o Reino Unido fique preso à União Europeia e ao controlo aduaneiro e alfandegário dos países comunitários. Um dos grandes motivos para o referendo foi a intenção dos apoiantes do Brexit de abandonarem as regulações europeias, algo que, a seu ver, se torna praticamente impossível com este acordo técinco.

Os deputados do DUP - o partido nacionalista da Irlanda do Norte que é o garante da maioria parlamentar de May - não querem um acordo que diferencie a Irlanda do Norte do resto do reino. Os norte-irlandeses no Parlamento estão particularmente preocupados com o controlo das águas e da atividade pesqueira.

Do outro lado, a oposição trabalhista, liderada por Jeremy Corbyn, opôs-se ao pré-acordo por não especificar estratégias para a emigração, por não proteger trabalhadores e por causa do período de transição nele definido.

E os europeus?

As reações ao pré-acordo têm sido mistas. Bruxelas, apesar de estar preparada para o apoiar, não se mostrou completamente satisfeita. Esta quinta-feira, à agência Reuters, fontes oficiais em Bruxelas classificaram o acordo como “o melhor que se podia arranjar”.

“Achamos que os dois lados esgotaram a margem de manobra dentro das respetivas possibilidades", disse uma fonte da UE à agência.

Dia 25 de novembro haverá uma cimeira extraordinária para votar o rascunho do acordo britânico, caso este seja aprovado por uma maioria dos deputados do Reino Unido. Se tal não acontecer, aumentam as probabilidades de o Reino Unido abandonar a UE a 29 de março de 2019 sem qualquer acordo.

O plano foi apresentado. E agora?

Para o “divórcio” ser consumado, o rascunho terá de passar por dois votos: um na Câmara dos Comuns, o Parlamento britânico, e outro no Parlamento Europeu.

O primeiro e, à partida, maior problema que May enfrenta é doméstico. Para já, tudo indica que o Parlamento não deverá aceitar o pré-acordo, havendo já movimentações dentro do próprio Partido Conservador de May para a afastar do leme do Governo.

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