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Em Nome da Lei. Câmara de Lisboa vai pagar um terço da renda da casa a famílias em dificuldades

Em Nome da Lei

Câmara de Lisboa vai pagar um terço da renda da casa a famílias em dificuldades

27 jan, 2023 • Marina Pimentel


Vereadora Filipa Roseta diz que, "até ao final do ano, o município espera colocar no mercado metade" das duas mil casas vazias que são propriedade da autarquia.

A Câmara Municipal de Lisboa paga um terço do valor da renda de casa às famílias que estejam em dificuldades para conseguir fazer face à inflação. As candidaturas estão abertas até ao final do próximo mês, adianta a vereadora da Habitação e Obra Municipais, Filipa Roseta.

"É muito importante que as pessoas saibam isto. Vão por favor à plataforma Habitar Lisboa, ver quais são as condições, porque a CML paga um terço da renda, em determinados tetos de renda e rendimentos. É um apoio para todos os residentes com rendimentos desde o salário mínimo até 2.500 euros, se for uma pessoa, e até 3 mil se forem duas. A medida pode chegar a muita população da nossa cidade.”

Filipa Roseta falava ao programa Em Nome da Lei da Renascença, em que esteve em debate a proibição de venda de casas a estrangeiros não residentes. Uma medida proposta pelo Bloco de Esquerda e que já foi aplicada no Canadá e na Nova Zelândia e que as Ilhas espanholas de Ibiza, Maiorca e Menorca vão também implementar.

Filipa Roseta adverte que é muito importante olhar para os números antes de se importar ideias, destacando que a situação portuguesa é muito diferente da do Canadá.

”Lisboa tem 6 milhões de casas para 4 milhões de famílias. O Canadá tem 15 milhões de casas para 15 milhões de famílias. O Canadá está numa situação de emergência, tem falta de recursos, um problema completamente diferente do de Lisboa. Aqui o que temos é um problema de falta de planeamento. Em Lisboa temos mais casas do que famílias. O problema que temos de abordar é como colocar no mercado as casas vazias”, defende a vereadora da Habitação e das Obras Municipais da CML.

Filipa Roseta diz que, "até ao final do ano, o município espera colocar no mercado metade" das duas mil casas vazias que são propriedade da autarquia. A vereadora recorda que o programa do Canadá não previa apenas a proibição de estrangeiros de comprar casas. Mas também a criação de habitação e a isenção total de impostos na compra da primeira habitação, algo que a gestão de Carlos Moedas “tentou fazer em Lisboa, mas que a oposição não deixou”.

O Bloco de Esquerda reconhece que a proibição da venda de casas a estrangeiros não residentes não é "a bala de prata" para acabar com a crise da habitação em Portugal. Mas Mariana Mortágua enfatiza que as políticas de atração de capital estrangeiro para o imobiliário, quer pelo Governo quer por alguns municípios, tem tido como efeito a escalada de preços, tornando inacessível para os portugueses a compra de casa.

“O resultado desta política em Portugal, como noutros países, como é óbvio, é que há um influxo de dinheiro estrangeiro para a compra de casa que não tem equiparação com os salários dos portugueses. E isso tem feito subir o preço a habitação para níveis que são incomportáveis para um salário português. Incomportáveis. O preço médio de uma casa de 90 m2 são 463 mil euros. Diga-me qual é a família que consegue pagar quase meio milhão de euros, a não ser que tenha recebido um bónus da TAP, para comprar uma casa em Lisboa?”

Quanto à possibilidade de a proibição da venda de casas a estrangeiros, projeto já entregue pelo BE no Parlamento, poder chocar com o direito europeu, Mariana Mortágua desvaloriza, argumentando que “o direito europeu não pode condenar os portugueses a não ter casa” e lembra que “o direito à habitação, previsto na Constituição, está a ser violado todos os dias”.

A deputada socialista Maria Begonha demarca-se do projeto do BE, desde logo pelas dificuldades que poderia levantar em Bruxelas. Diz que “o PS é o primeiro a reconhecer a crise da habitação em Portugal” e assegura:

"Neste momento, temos o maior investimento de sempre em habitação em Portugal.”

A deputada defende as potencialidades do programa nacional de habitação, que prevê 22 medidas, e das quais consta o parque público habitacional, com um investimento de 2,3 milhões de euros.

Maria Begonha não afasta que seja entretanto necessário adotar medidas de urgência, que devem constar da legislação sobre a habitação que o primeiro-ministro anunciou para breve.

No Em Nome da Lei desta semana participaram ainda analistas do mercado imobiliário. O professor do ISCTE Gonçalo Nascimento Rodrigues põe em causa o alcance da medida proposta pelo BE, porque, diz, estamos a falar de algo residual.

”A aquisição de habitação por não residentes representa 2% do mercado, grosso modo, em número de transações. Eu preferia olhar e discutir políticas que olhassem para os outros 98% do mercado. Isso é que me parece mais relevante.”

Gonçalo Nascimento Rodrigues defende que há várias causas na origem da escalada de preços, a principal das quais da responsabilidade do Banco Central Europeu (BCE).

”Há um conjunto de razões muitíssimo mais alargado, e que vai muito para lá dos compradores estrangeiros, que justificaram este ciclo mais expansionista no mercado imobiliário em Portugal, principalmente no setor residencial, grosso modo desde 2013-2014. A questão da política monetária expansiva por parte do BCE é uma delas. Não é a única, mas é a principal. O mercado per se, é curioso verificar, já está de alguma forma a procurar minorar esta questão. Como? Por via do aumento das taxas de juro.”

Ricardo Guimarães concorda que o efeito da medida proposta pelo BE seria” muito reduzido e no limite não seria visível”. O diretor geral da Confidencial Imobiliário aponta a procura turística e os Vistos Gold como os pilares fundamentais da reabilitação urbana. Quanto à existência de fundos imobiliários especuladores, garante que não existem em Portugal.

”Isso é um mito urbano. Pode haver fundos de investimento de capitais estrangeiros, mas estão até a fazer promoção imobiliária. A geração que nós tínhamos de promoção imobiliária, todos os principais promotores imobiliários que estavam no mercado antes da crise financeira desapareceram, porque eram operadores no essencial alavancados em dívida. E essa geração de promoção imobiliária desapareceu. E enquanto não vieram capitais estrangeiros fazer promoção imobiliária, Portugal não tinha capacidade para relançar esse tipo de atividade.”

Instados a comentar informações de um site especializado, o “Value of Stocks”, segundo o qual Portugal iria ser o primeiro país europeu cuja bolha imobiliária iria rebentar ainda este ano, Ricardo Guimarães lembra que, “quando a pandemia rebentou, esse risco também foi admitido e não aconteceu”. Também o professor do ISCTE Gonçalo Nascimento Rodrigues desconsidera o risco de uma desvalorização abrupta dos imóveis em Portugal.

O programa Em Nome da Lei, da autoria da jornalista Marina Pimentel, é emitido todos os sábados, ao meio-dia, pela Renascença, e pode ser ouvido em qualquer momento nas plataformas de podcast.

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  • Luis Pedro Aguiar da
    02 fev, 2023 Funchal 15:44
    .segundo censos 2021 existem em Portugal cerca de 150 mil contratos habitação anteriores a 1990 com rendas "vitalícias" inferiores a 150 euros por imposição do Governo!...é uma vergonha e impediram o acesso ao mercado de arrendamento dos jovens e dos estudantes....os senhorios não são a segurança social!....a propriedade privada está prevista na CRP e no art. 17 da declaração universal direitos humanos..por mais que queiram esquecer...