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O direito e as nossas vidas em debate. Um programa da jornalista Marina Pimentel para ouvir sábado às 12h.
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Números são só "a ponta do icebergue". Quatro idosos são vítimas de violência por dia

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Números são só "a ponta do icebergue". Quatro idosos são vítimas de violência por dia

02 dez, 2022 • Marina Pimentel


É difícil empoderar os idosos de forma a que denunciem os crimes de que são alvo, porque é a própria sociedade que os menoriza, defende um dos convidados do último episódio do programa "Em Nome da Lei".

Em 2021, quatro idosos foram violentados por dia em Portugal. A violência contra os mais velhos aumentou quase 113% nos últimos dez anos. E na década anterior, a subida tinha sido na mesma ordem. Mas o mais grave é que os números de que a APAV dispõe “são apenas a ponta do icebergue”, afirma à Renascença o presidente da instituição, João Lázaro.

A vítima é, em mais de 70% dos casos, do sexo feminino, e o autor o marido ou o filho. Segundo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), a violência de filhos contra os pais tem crescido muito. Mas trata-se de uma realidade muito submersa, porque para um pai ou uma mãe é muito difícil denunciar um filho.

"Quando são filhos, isso significa em muitos casos o reconhecimento do falhanço de um projeto de vida. São situações em que a intervenção de terceiros é muito complexa. Difere, por exemplo, das situações de violência entre adultos, em que o agressor, homem ou mulher, não é familiar da vítima, não é pai nem mãe. E muitas vezes essa abordagem, para conseguir fazer o empoderamento da vítimas, é extremamente difícil.”

É difícil empoderar os idosos de forma a que denunciem os crimes de que são alvo, porque é a própria sociedade que os menoriza, face aos adultos em fase de vida ativa. Essa infantilização dos mais velhos acontece com frequência nas instituições, sobretudo em lares e hospitais, denuncia a psicóloga Constança Paúl.

”Estou a falar da condescendência, do paternalismo, que são usados nas instituições e que muitas vezes nem sequer são interpretadas como formas de violência. Mas seguramente que são. Em termos psicológicos e sociais, essa infantilização [dos idosos] é uma violência. Temos estudos dos estereótipos que revelam que nós, muitas vezes, fazemos essa abordagem dos idosos como incompetentes simpáticos.”

A deputada do PSD Emília Cerqueira fala em “fazer uma revolução" na forma como a sociedade olha hoje para os mais velhos. Os social-democratas consideram fundamental criar na sociedade a mesma intolerância em relação à violência contra os idosos que existe no caso da violência doméstica.

“É preciso alterar as mentalidades e apostar muito na prevenção. Só teremos sucesso nas políticas públicas se a sociedade se mobilizar em torno desta causa, que tem de ser cada vez mais de todos, como foi com as crianças, como foi no caso da violência doméstica, na violência de género.”

O PSD reconhece que não tem havido, nem por parte da sociedade nem por parte do Estado, a atenção devida ao problema da violência sobre os idosos. A deputada Emília Cerqueira lembra que” já existe um plano estratégico contra a violência doméstica, outro contra a violência no namoro. Mas o Governo tinha-se esquecido dos idosos”, uma situação que o PSD quer corrigir.

Foi por isso que o principal partido da oposição apresentou uma proposta, em sede de discussão do Orçamento do Estado para 2023 (OE 2023), para que o Executivo se comprometa a desenvolver estratégias de prevenção e combate à violência contra pessoas idosas o mais precocemente possível. Essa proposta foi aprovada pelo Parlamento, por unanimidade .

O deputado do PS Paulo Araújo Correia defende, no entanto, que "a proposta do PSD é sobretudo programática” e rejeita que o Governo esteja de braços cruzados face ao problema.

“O Orçamento do Estado prevê um aumento das verbas destinadas à Administração Interna e à Justiça, um aumento de cerca de 90 milhões de euros, que serão em parte canalizados para o combate a todas as formas de violência, e também a violência contra idosos.”

Paulo Araújo Correia exemplifica com “a PSP e a GNR que, ao abrigo do programa Censos 2022, fazem campanhas de sensibilização, ações de formação concretas, de divulgação, de identificação do problema, de forma a ensinar esta população mais desprotegida a reagir, a defender-se e a beneficiar desta proteção que o Estado lhe confere".

Ainda assim, o deputado socialista admite que "claro que haverá naturalmente outras formas de campanha em que é preciso pensar, implementar e reforçar" em relação a este problema.

"Admitimos que haverá mais a fazer. Não estamos aqui a querer mostrar que o mundo é cor de rosa nem a diminuir esta preocupação. O Governo está preocupado e identificado com o problema e tem medidas em curso que lhe procuram dar resposta.”

A APAV e a Fundação Gulbenkian fizeram, entre janeiro de 2019 e junho de 2020, um estudo intitulado “Portugal Mais Velho”, que procurou identificar as lacunas das políticas públicas e da legislação em relação ao envelhecimento da população e à violência contra pessoas idosas.

Nesse relatório, reconhece-se que Portugal tem uma Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável, mas que esta “caiu no esquecimento”. E em relação a duas medidas legislativas recentes, o Regime Jurídico do Maior Acompanhado e o Estatuto do Cuidador Informal, são considerados passos importantes mas “ainda claramente insuficientes”.

À semelhança do que existe para as crianças e jovens, o estudo prevê que a prevenção e intervenção da violência contra idosos deve ficar a cargo de Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade, comissões essas "que chegaram a fazer parte de programas eleitorais do PS", lembra João Lázaro, mas que nunca chegaram a ser concretizadas.

São declarações no programa "Em Nome da Lei", da jornalista Marina Pimentel, que é transmitido aos sábados na Renascença e que está sempre disponível nas plataformas de podcast.

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