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Em Nome da Lei
O direito e as nossas vidas em debate. Um programa da jornalista Marina Pimentel para ouvir sábado às 12h.
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Flexibilidade de horários

Em Nome da Lei

Direito ao horário flexível. Trabalhadores não reclamam direitos por medo de represálias

11 nov, 2022 • Marina Pimentel


O novo episódio do "Em Nome da Lei" debruça-se sobre a recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que reconhece o direito dos trabalhadores com filhos menores de 12 anos a folgarem ao fim de semana.

A precariedade, a falta de meios de fiscalização e o valor das custas judiciais estão a levar à falta de efetividade do Direito Laboral. Os direitos estão garantidos no papel, mas os trabalhadores não os exigem porque têm medo das represálias.

Estas são as principais conclusões do debate desta semana no programa "Em Nome da Lei" sobre a recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que reconhece o direito dos trabalhadores com filhos menores de 12 anos a terem um horário flexível que lhes permita folgar ao fim de semana.

A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego tem sido inundada de pedidos de parecer sobre o horário flexível. Isso mesmo é adiantado à Renascença pela presidente do órgão de fiscalização.

Questionada sobre o acórdão recente do STJ, que garante aos trabalhadores com filhos menores de 12 anos o direito a folgarem ao fim de semana sempre que o solicitem e que as empresas não consigam provar a sua impossibilidade prática, Carla Tavares admite que as questões da flexibilidade horária correspondem hoje à larga maioria dos pareceres da CITE de emissão obrigatória .

”Para ter noção, até 31 de outubro deste ano, de um total de 765 pareceres que a CITE emitiu, 651 são pareceres para horário flexível.”

A necessidade de conciliar os horários de trabalho com a vida familiar é um problema, sobretudo para os setores da saúde pública e privada, hipermercados e centros comerciais, aviação e empresas de segurança. Em dois terços dos casos, a CITE decide favoravelmente ao trabalhador. Mas Carla Tavares afirma que” habitualmente os pareceres da autoridade administrativa a que preside são cumpridos pela entidade empregadora”.

Não foi o caso da Primark, que avançou para tribunal contra o parecer da Comissão para a Igualdade. Ganhou na primeira e segunda instâncias, mas o Supremo Tribunal de Justiça decretou três anos depois que a trabalhadora com dois filhos, com menos de 12 anos, tinha direito a folgar nos fins de semana, por não ter com quem os deixar.

O advogado João Santos considera este caso de decisão recente exemplar, porque a precariedade laboral torna cada vez mais desequilibrada a relação entre empregador e trabalhador, tornando muito difícil ao trabalhador fazer valer os seus direitos.

"A precarização das relações laborais, que se vai acentuando de diversas formas, faz com que as pessoas tenham cada vez mais medo de enfrentar o patrão, quanto mais um patrão desta dimensão. Este caso é autenticamente um David contra Golias.”

Mas a dificuldade para um trabalhador tornar efetivos alguns dos direitos que lhe são garantidos pelo Código de Trabalho não é necessariamente proporcional à dimensão da empresa.

O advogado da área laboral João Diogo Duarte diz que, "nas grandes empresas, há um maior distanciamento entre o empregador e ao administração, ou o representante legal da empresa e o trabalhador, e aí talvez seja possível o exercício desses direitos, até porque os serviços dos Recursos Humanos estão na sede da empresa, há locais de trabalho periféricos, e, face ao distanciamento que existe, talvez seja mais fácil aos trabalhadores exercer esses direitos. Nas pequenas e médias empresas, que são de facto aquelas que caracterizam o nosso tecido empresarial, talvez a proximidade entre o empregador e o trabalhador impeça que um trabalhador inicie um processo destes, porque vai criar ali alguma areia no relacionamento, alguns constrangimentos na relação entre empregador e trabalhador.”

É por isso que Garcia Pereira diz que temos em Portugal um problema de falta de efetividade do Direito Laboral. Os trabalhadores não exercem os seus direitos por medo de ser objeto de represálias pela entidade patronal. E a fiscalização não funciona, adianta o especialista em Direito doTrabalho.

"O problema de efetividade das leis que temos passa por os instrumentos e as instituições encarregues da fiscalização terem os meios necessários e haver por trás a vontade política necessária. E a minha opinião, não a mando dizer por ninguém, é que a ACT não tem nem meios logísticos ,nem humanos ,nem financeiros , nem a vontade política ,para exercer essa fiscalização que é devida.”

A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) não fiscaliza, acusa ainda Garcia Pereira. E para o trabalhador que sente que os seus direitos não estão a ser respeitados também não é solução recorrer aos tribunais, por causa do valor das custas judiciárias.

"O nível de custas que nós temos é pornograficamente elevado em todos os domínios, mas muito especialmente no trabalho, família e menores, ações de despejo, etc. E a verdade é que temos um sistema de apoio judiciário que excluiu da isenção de custas as pessoas cujo agregado familiar tem o mínimo de rendimento. Quem pode aceder à Justiça em Portugal são ou os muito ricos, que têm dinheiro para pagar, ou os indigentes, que beneficiam do apoio judiciário.”

Garcia Pereira considera que a questão do horário flexível para trabalhadores com filhos menores de 12 anos é uma questão estratégica num país que tem os problemas demográficos de Portugal.

Não se surpreende com a decisão do Supremo, que é a terceira na mesma linha e que vai ao encontro do que é a sua interpretação da lei. E explica que irá seguramente influenciar decisões futuras, contribuindo para fixar a jurisprudência sobre a matéria.

"Nós não temos o regime do precedente do sistema anglo-saxónico. Mas é óbvio que, se se forma ao nível da mais alta instância uma jurisprudência constante num determinado sentido jurisdicional, isso seguramente vai influenciar os decisores na primeira e na segunda instâncias, que embora não estando formalmente vinculados a seguir esse entendimento sabem que, se persistirem em consagrar uma solução diferente, a parte que estiver descontente vai recorrer e muito provavelmente terá êxito nesse recurso”.

São declarações ao programa da Renascença "Em Nome da Lei", que é emitido aos sábados, depois do meio-dia, e que está disponível em permanência nas plataformas de podcast.

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