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Presidente do Supremo Tribunal Administrativo e Fiscal diz que demora nos tribunais é uma "vergonha"

Justiça. Falta de investimento durante décadas gerou pendências que se foram acumulando

12 mar, 2022 • Marina Pimentel


A presidente do Supremo Tribunal Administrativo e Fiscal foi a convidada exclusiva do Em Nome da Lei, que este sábado analisou o grave problema das pendências na jurisdição onde são decididos os conflitos judiciais entre os cidadãos e a Administração Pública.

A presidente do Supremo Tribunal Administrativo e Fiscal (STA) admite que “é uma vergonha “o ponto a que chegou a morosidade na sua jurisdição, onde há processos à espera de uma decisão há 10 ou até 20 anos.

É uma vergonha e está na altura de ultrapassarmos isto. Mas para ser justo é preciso dizer que a atual ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, deu finalmente atenção ao problema dos Tribunais Administrativos e Fiscais.”

Dulce da Conceição Neto alerta para o risco de Portugal vir a perder fundos do Plano Europeu de Recuperação e Resiliência, se a falta de juízes e assessores não for colmatada rapidamente.” Tem de ser feito um investimento nos tribunais, já. “O que se passa é que muitos dos fundos serão atribuídos por concurso público. E se as partes preteridas recorrerem para tribunal, esse recurso suspende a atribuição dos fundos que podemos acabar por perder, não havendo uma resposta judicial célere”.

A magistrada acredita que o próximo Executivo de António Costa não irá negligenciar o problema e admite mesmo que “se o atual Governo não tivesse caído, algumas das medidas já poderiam estar plasmadas em diplomas legais”. De qualquer forma, a presidente do STAF garante que “a Comissão Europeia está atenta ao que se passa”.

A falta de investimento durante décadas gerou pendências que se foram acumulando. O grande problema dos Tribunais Administrativos e Fiscais são, por isso, os processos mais antigos. Os que entraram antes de 2012 estão entregues a equipas de recuperação de pendências e Dulce da Conceição Neto acredita que poderão conhecer uma decisão este ano, mas não há resposta para os que entraram depois de 2012.

A presidente do STA diz que precisa, pelo menos, de mais 66 juízes e um número, que não quantifica, de assessores para apoiarem os magistrados judiciais nos assuntos tecnicamente mais complexos. Quer também uma bolsa de juízes, à semelhança do que existe nos Tribunais Comuns, que possa intervir em caso de doença ou licença de maternidade das magistradas colocados nos administrativos e fiscais.

Refira-se que a existência de assessores nos Tribunais Administrativos e Fiscais, à semelhança do que acontece na jurisdição comum, está prevista há 38 anos, contudo, nunca saiu do papel. E o mesmo abandono foi dado ao Conselho Superior da Magistratura Administrativa e Fiscal, que, ao contrário do órgão homólogo da jurisdição comum, não tem autonomia financeira, nem funcionários próprios, nem sequer um sistema informático próprio.

Em entrevista ao programa de informação Em Nome da Lei, Dulce da Conceição Neto acusa também a máquina do Estado de ser responsável pelo excesso de processos que entram na sua jurisdição. Diz que “há falta de mecanismos administrativos a montante do sistema judicial, que possam resolver os conflitos entre os Estado e os cidadãos”.

A Autoridade Tributária também é acusada de usar e abusar dos meios judiciais nos litígios com os contribuintes.

Temos uma Administração Pública, e englobo obviamente a Autoridade Tributária, que tem dificuldade em respeitar as decisões judiciais”. Em que é que se nota mais essa resistência? A presidente do STAF diz que é notória no volume de litigância, no facto de se recorrer até à última instância, o que significa recursos atrás de recursos, até já não haver mais recursos”.

Dulce da Conceição Neto lembra que em 2004, quando houve a reforma dos Código das Custas Judiciais, foi introduzida a condenação da Administração Tributária em custas, sempre que perde, precisamente para tentar evitar estas situações, mas não resolveu nada. “A Autoridade Tributária continua a ser sistematicamente condenada em custas quando perde.”

Na sua opinião, a falta de vontade da Administração Pública em cumprir as decisões anulatórias dos tribunais não acontece noutros países europeus. Em Portugal, o Estado e a Administração Público preferem sempre ir para tribunal, a pagar voluntariamente.

Já em países como a Dinamarca é exatamente ao contrário. Por isso, este país nem sequer tem, como nós, tribunais próprios para julgar os conflitos com a Administração Pública, “porque o Estado evita ao máximo ser condenado num tribunal. Em Portugal, nem o Estado, nem as entidades públicas têm qualquer problema em ser condenados. Aliás, preferem ser condenados por um tribunal a pagar voluntariamente.”

Dulce da Conceição Neto “rejeita a perceção de que os Tribunais Administrativos e Fiscais tendem a decidir a favor do Estado e contra o contribuinte”. Embora sem números que o sustentem, por não ter um sistema informático fiável que possibilite essa contabilização, afirma que, “na maioria dos processos, quem ganha é o cidadão”. Nega também que haja na sua jurisdição uma cultura de pouca sensibilidade em relação aos direitos fundamentais, que se tornou visível nos casos que julgou durante a pandemia.

Admite as divergências com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, sobre as limitações às liberdades decretadas pelo Governo, mas garante que estão em linha com as posições dos tribunais administrativos de outros países europeus.” As decisões que o Supremo Tribunal Administrativo e Fiscal tomou alinham perfeitamente com todas as decisões da Europa, e falamos da França, da Alemanha, da Itália. A Alemanha teve milhares de processos e todos seguiram a linha que foi seguido pelo STAF português e que foram no sentido de considerar adequadas, limitadas no tempo e proporcionais, as medidas aprovadas pelo Governo para conter a pandemia, muitas das quais limitadoras de direitos fundamentais.”.


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