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Em Nome da Lei - Milhões no futebol. "É mais o dinheiro para empresários do que o que fica nos clubes" - 24/07/2021

Em Nome da Lei

Milhões no futebol. "É mais o dinheiro para empresários do que o que fica nos clubes"

24 jul, 2021 • Marina Pimentel


Portugal “é o quarto país do mundo que mais paga aos empresários do futebol, em termos absolutos”. Miguel Poiares Maduro, que fez parte do comité de governação da FIFA, revela que, “só em 2019, os clubes nacionais entregaram aos agentes que tratam das vendas dos jogadores 78 milhões de euros”.

Os clubes portugueses estão entre os que pagam comissões mais altas aos empresários pela transação de jogadores.

O cenário é descrito à Renascença por Miguel Poiares Maduro, membro do comité de Governação da FIFA, entre 2016 e 2017, e convidado do 'Em Nome da Lei' desta semana.

O jurista, antigo ministro do Governo de Pedro Passos Coelho, explica que todo o negócio à volta das comissões pagas aos agentes é tanto mais grave quanto se trata de dinheiro que “não está não sujeito a qualquer mecanismo eficaz de regulação, nem público nem por parte das organizações de futebol”.

O futebol hoje envolve muitos milhões. Mas, segundo o advogado especialista em Direito do Desporto, Carlos Dias Ferreira, “é mais o dinheiro que vai para os bolsos dos empresários do que o que fica nos clubes”.

O jurista revela ainda que “quando se indigna com os valores das comissões pagas pelos clubes, a resposta que recebe é sempre a mesma: são as regras do jogo!”

Outro advogado ligado do Direito do Desporto, João Diogo Manteigas, diz que se interroga muitas vezes “por que razão não são os grandes clubes a negociar diretamente a venda de jogadores, preferindo pagar milhões aos agentes intermediários? Faz-me imensa confusão, confesso”.

O valor das comissões pagas pelo Benfica pela transferência de jogadores é uma das três linhas de investigação do Ministério Público, no chamado processo ‘Cartão Vermelho’.

O ex-presidente do Benfica está indiciado de ter montado um esquema, em conluio com o agente Bruno Macedo, para inflacionar ou até ficcionar custos e serviços pela transferência de três jogadores, pelas quais o clube da águia pagou dois milhões e meio de euros. O advogado João Diogo Manteigas reconhece que “se trata de um claro conflito de interesses e eventualmente de um crime, se se vier a provar.”

Luís Filipe Vieira está a ser investigado por fraude fiscal, branqueamento, burla e falsificação. Está em prisão domiciliária até entregar e ser aceite pelo juiz de instrução Carlos Alexandre a caução no valor de três milhões de euros.

Além do alegado esquema que terá montado com o agente Bruno Macedo, o Ministério Público suspeita que o ex-presidente do Benfica intermediou um contrato de promessa de compra e venda de venda de 25 por cento de ações do Benfica ao americano John Textor, pelo qual receberia luvas no valor de seis milhões de euros.

A maioria dessas ações pertencia ao seu amigo e também arguido no processo José António dos Santos, conhecido por “Rei dos Frangos”.

O Ministério Público também indiciou Vieira por alegadamente de ter dado um golpe ao Fundo de Resolução, através da compra de dívida de 54 milhões de euros por nove milhões, negócio de que terá sido testa de ferro o seu amigo e o maior acionista da SAD, José António dos Santos.

Segundo a tese dos investigadores, neste negócio Vieira terá contado com informação privilegiada da parte do então administrador do Novo Banco e, entretanto, nomeado e depois suspenso presidente do Banco de Fomento, Vitor Fernandes.

Os factos de que o ex-presidente do Benfica está indiciado “não surpreendem” Miguel Poiares Maduro.

O antigo ministro de Passos Coelho diz que a experiência que teve no comité de Governação da FIFA, entre 2016 e 2017, lhe confirmou a perceção que já tinha sobre “a incapacidade dos clubes de futebol em se reformarem internamente”.

O professor universitário argumenta que “o futebol tem um modelo de governação, quer nos clubes, quer na própria FIFA, onde domina a concentração de poder e poucos mecanismos de escrutínio”.

Poiares Maduro explica que “se criou a ideia de que o futebol deveria ser uma atividade autorregulada, mas a verdade é que se trata de uma atividade económica incapaz de se autorregular”.

Questionado sobre a possibilidade de Vieira ter agido sem conhecimento de outros membros da administração da SAD, Poiares Maduro considera que “é muito grave se não sabiam, mas é ainda mais grave se sabiam”.

Sublinhando que é, naturalmente, “aos tribunais que cabe julgar Luís Filipe Vieira” e os outros indiciados do processo cartão vermelho, Poiares Maduro defende que “é, já, possível tirar conclusões sobre o rotundo falhanço do modelo de governação do futebol”.

Ouvida também pelo programa 'Em Nome da Lei', da Renascença, Ana Gomes defende que o mundo do futebol “tem servido para esconder negócios criminosos. São verdadeiras máfias”, diz a embaixadora aposentada, ex-eurodeputada e candidata presidencial.

“E, no caso do Benfica, até sabemos quem é o padrinho. Foi o próprio Luís Filipe Vieira que revelou, na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco, que foi Ricardo Salgado que o pôs na presidência do clube”, acrescenta Ana Gomes.

Ativista contra a corrupção e apoiante assumida das denúncias feitas por Rui Pinto, e diplomata está segura de que muitos dos elementos indiciários contra Luís Filipe Vieira são informações reveladas pelo hacker.

“Não tenho dúvida nenhuma de que boa parte da informação que ajuda a sustentar os elementos do processo foi fornecida por Rui Pinto. E se não foi é porque a justiça portuguesa a desconsiderou. Mas eu tenho a informação de que há documentação importantíssima que foi disponibilizada pelo Rui Pinto. Aliás, se essas informações são utilizadas pelas autoridades de outros países porque é que não haveriam de ser pelas autoridades judiciais e fiscais no nosso país?”.

Declarações ao programa de informação da Renascença ‘Em Nome da Lei’, emitido aos sábados ao meio-dia e repetido à meia-noite.

O programa entra agora em férias e retoma no dia 11 de setembro.

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