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Cristina Sá Carvalho
Opinião de Cristina Sá Carvalho
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​A via dolorosa para uma esperança maior

12 abr, 2022 • Opinião de Cristina Sá Carvalho


Sobre todos estes desafios da consciência, e da ação com ela concomitante, chamada “saúde mental”, nos falou o Papa Francisco neste último Domingo de Ramos.

Quando a guerra infligida por Putin à Ucrânia atinge níveis inimagináveis de desumanidade, de crime e de uma brutal violência, persistente e persecutória, contra os civis, o frágil alívio obtido pela pequena vitória de Macron, obtida na primeira volta das presidenciais francesas, mostra-nos como somos mais europeus do que pensávamos. Tudo isto nos atinge e choca, nos preocupa, nos retira alguma capacidade de nos centrarmos naquilo que temos em mãos.

Há um destino comum, inevitável e incontornável, em todos estes passos da história e, aproximando-se a Páscoa, os nossos corações abertos à indulgência e ao conforto, tomados por um desassossego sem fim à vista, desejam evitar o calvário. Mas esse é um caminho impossível de trilhar, tão fraca e tão precária é a vontade humana quando se trata de ultrapassar a autorreferencialidade emocional e moral, o egoísmo dos direitos adquiridos, a cultura que faz de conta que o pecado não existe. E a que coisas estranhas chamamos “paz” quando tudo nos parece correr bem.

Sobre todos estes desafios da consciência, e da ação com ela concomitante, chamada “saúde mental”, nos falou o Papa Francisco neste último Domingo de Ramos. Com a proximidade habitual de uma santidade peculiarmente enraizada no conhecimento vivencial da causa humana, o Papa oferece a todas as pessoas de boa vontade o Cristo crucificado, não como uma figura surpreendente, extravagantemente capturada pelo intencional e perturbado desejo dos próprios seguidores, mas como o eixo central da História, que acolhe uma humanidade inteira, divagando, perdida, num estado de confusão. E, ainda assim, movida pela vontade de se redimir e de ser feliz.

O Papa mostra-nos como, no calvário - nos calvários da vida humana - estão sempre presentes duas mentalidades: de um lado, naqueles que ferem, gozam e insultam os mais fracos, a fezada na possibilidade de nos salvarmos a nós mesmos, da imaginada vantagem de cuidarmos apenas de nós - e dos mais próximos, claro está -, dominada pelos interesses pessoais e o egoísmo; e do outro, tantas vezes pobre e desprovido de poderes, a oferta de si mesmo, a proposta da misericórdia, do cuidado, do amor, do tão difícil perdão. Este perdão não é, certamente, o perdão emocional da condescendência ou de um esquecimento facultado pela vitimização, mas o perdão que ultrapassa a dor mais profunda e destrutiva, que emerge, decisivo e esclarecido, a partir de uma ideia de bem e de um esforço continuado de bondade, fundado naquela definitiva procura da beleza, o contraste curativo face aos escombros.

Caras Leitoras e Caros Leitores, tal como o Papa Francisco recorda, há, de facto, uma loucura profunda no seguimento pascal de Cristo, tão desusado e tão crítico nos parece o amor aos próximos, já de si difícil, complexo e sempre estranhamente questionado pelos factos da vida. Ainda assim, a Esperança constrói-se, não a partir desses amores, que tornamos difíceis à custa de “personalidade” e de um sentido de si, frequentemente desajustados, mas fundando-se no amor ao inimigo, o nível de superação de si mesmo a que chamamos santidade da vida quotidiana. Perdoar a quem não sabe o que faz e, depois, ensinar-lhe como deve posicionar-se perante o que deve fazer. Ou como disse o Papa, quando se usa a violência, nada se sabe sobre Deus, nem sobre os outros, que são nossos irmãos, “esquece-se a razão”, realizam-se absurdas crueldades, como na “loucura da guerra”. E, para que saibamos das nossas possibilidades de viver esse perdão, de sairmos de nós e de encontrar os outros, lá estava, um de nós, o bom ladrão: “Senhor, lembra-te de mim.” Isto é a Páscoa, o Caminho da Esperança Ressuscitada, recomeçar a vida, “mudar em dança todo o lamento”.

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  • Ivo Pestana
    12 abr, 2022 Funchal 11:42
    Um artigo bom e verdadeiro. No DN local, uma pequena sondagem sobre quem iria participar nas celebrações pascais, apenas 25% irão. Isto mostra o afastamento dos cristãos de Deus, depois não entendem a maldade que prolifera no mundo...e não têm a quem socorrer.