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Cristina Sá Carvalho
Opinião de Cristina Sá Carvalho
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Postal de Natal

21 dez, 2021 • Opinião de Cristina Sá Carvalho


“Que podemos fazer quando nos encontramos com Deus feito criança? Que podemos fazer se não o lavar se está sujo, apertá-lo nos braços, sussurrar-lhe ao ouvido e enchê-lo de beijos? ... Só quando estamos perante um ser necessitado e indefeso descobrimos o que é isto da liberdade.”

Depois de continuados processos de inculturação local da fé cristã e de outros tantos de laicização das sociedades avançadas, certamente muito do que ficou da celebração do Natal é uma oportunidade de encontro familiar, seja com os parentes e/ou os amigos, e também a experiência de um momento do ano que apela à nossa renovação e que esta é possível.

As pessoas e as instituições progridem e involuem através de mecanismos diversos mas, sendo as últimas igualmente constituídas por homens e por mulheres, acabam por incorporar alguns processos de natureza pessoal. Assim, a Igreja católica, que se perspetiva como uma família de famílias, propõe e segue, cada Advento, este caminho de encontro entre pessoas e esta proposta de renovação. Mas este ano fá-lo de um modo especial ou, para sermos mais exatos, de um modo Sinodal.

O Sínodo dos Bispos foi criado por Paulo VI como uma instituição permanente que visa manter o espírito de Colegialidade vivido na experiência do II Concílio Vaticano e, através deste, cooperar com o Papa na governação da Igreja, apelando à diversidade, à unidade e à catolicidade. Simplificando, podemos afirmar que uma reflexão sinodal visa melhorar e aprofundar a vida familiar da Igreja, como indicou o Papa Francisco, através da comunhão, da participação e do assumir da sua missão no mundo. Esta última ficou clara no documento programático do Papa, logo no Capítulo I, como a Transformação Missionária da Igreja e a sua pastoral em conversão, que encontram os seus pilares de apoio em Paulo VI e no citado Concílio: aprofundar a consciência de si mesma, meditar o seu mistério, comparar a imagem ideal que Cristo viu, e quis, com o rosto da realidade. Deste confronto deve surgir uma necessidade “generosa e quase impaciente de renovação, isto é, de emenda dos seus defeitos”, tal como escreveu o Papa Montini. Por seu lado, veio o Concílio reforçar este projeto, apontando para a abertura a uma reforma permanente, exigência da fidelidade a Jesus Cristo.

O Papa Francisco veio lembrar este compromisso essencial, que considera inadiável, de transformação dos costumes, dos estilos, dos horários, das linguagens e de toda a estrutura eclesial, para que se tornem, verdadeiramente, instrumentos de evangelização do mundo e não mecanismos de reprodução desencantada da auto-preservação.

Este processo deve incidir em todos os níveis e âmbitos da Igreja mas encontra um espaço relevante de manifestação e de inquietação nas Dioceses, cujo governo e fiéis devem evitar proteger-se atrás dos hábitos antigos, agora ineficazes e prejudiciais, e implicar todas as comunidades, cujos membros, por mais humildes que sejam, têm um entendimento da realidade e um valor significativos e, por isso, também a capacidade de se responsabilizarem por uma transformação que deve surgir, em chave missionária, “a partir do coração do evangelho”.

Poderá, assim, a mensagem libertadora de Cristo e a obra construtora de fraternidade dos cristãos, chegar a todas as partes e colaborar na promoção humana de todas as pessoas, tornando-as, pelo exemplo, mais conscientes da sua dignidade e mais aptas para a felicidade.

Sendo esta uma tarefa imensa e requerendo um entusiasmo e uma dedicação quase ilimitados, o Papa Francisco insiste em convocar e em promover as vozes femininas, as mulheres que asseguram quotidianamente o serviço mais humilde e mais constante da Igreja, de uma forma tão dedicada e persistente quanto, quase sempre, anónima. Essa é também uma belíssima mensagem natalícia de uma história transformadora de mundos que começou com o assentimento confiante de uma jovem rapariga.

Caras Leitoras e Caros Leitores, votos de um Feliz Natal e que o ano de 2022 seja aquele em que daremos passos firmes na construção de uma vida melhor para todos os homens e todas as mulheres. Numa tradução livre, o meu postal de Natal fez-se emprestar das palavras de Pablo D’Ors:

“Que podemos fazer quando nos encontramos com Deus feito criança? Que podemos fazer se não o lavar se está sujo, apertá-lo nos braços, sussurrar-lhe ao ouvido e enchê-lo de beijos? ... Só quando estamos perante um ser necessitado e indefeso descobrimos o que é isto da liberdade.”

Caras Amigas e Caros Amigos, possamos todos descobrir, ante o presépio e as ruas das nossas vidas, esta profunda liberdade do Deus que se fez homem, para nos sentirmos capazes de rir e de chorar com Ele.

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