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Cristina Sá Carvalho
Opinião de Cristina Sá Carvalho
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Avaliação, comparação e transparência

27 nov, 2018 • Opinião de Cristina Sá Carvalho


Penso que críticos e apoiantes da atual doentia tendência para tudo medir e tudo avaliar estariam de acordo que, num país pequeno como o nosso, é importante definir um conjunto de objetivos comuns a alcançar por todos os alunos.

"Este é um trabalho sistemático que teremos de fazer em todo o universo de escolas para que verdadeiramente as escolas tenham práticas que possam ser comparáveis e acima de tudo para aumentar como eu disse por um lado a transparência e por outro lado a justiça relativa do que é o acesso ao ensino superior ou mesmo as notas com que, que cada um dos alunos acaba por ter na sua avaliação contínua, digamos assim, na sua avaliação interna." Estas afirmações do ministro da Educação, proferidas na passada semana, parecem muito insuficientes relativamente à dimensão do problema citado mas, ainda assim, ficam muito à frente na tabela classificativa face dos jornalistas que comentaram esta brevíssima e apressada intervenção. Mas hoje, infelizmente, já não há jornalistas especializados em educação.

Ditos comentários surgiram, um pouco por toda a parte, argumentando, com alguma histeria, que, segundo um relatório da Inspeção Geral da Educação e Ciência, os estabelecimentos de ensino "fazem 'vista grossa' aos critérios de avaliação que eles próprios definem para poderem atribuir classificações mais elevadas aos alunos." Entre os males atribuídos ao "cálculo" das notas internas do 12.º ano, "são usados domínios como a oralidade ou as atividades laboratoriais que, por não terem testes ou outros critérios mensuráveis que permitam suportar as avaliações feitas pelos professores, são usados para aumentar as notas dos alunos."

Só com esta sintética acusação se levantam questões relevantes de ordem ética e de ordem técnica, como sejam: só os testes escritos são instrumentos de avaliação fidedignos? Qualquer teste é, pela sua natureza, um bom e bem aplicado instrumento de avaliação? Se a oralidade e as técnicas laboratoriais constarem dos programas e foram efetivamente ensinadas não podem ser avaliadas? Ou a sua "avaliação" não pode contar para o cálculo final de uma nota interna? Deve abandonar-se o ensino de tudo aquilo que não pode ser avaliado com um teste escrito, como um ensaio ou comentário, o domínio de um instrumento musical, a expressão artística através de uma pintura, uma escultura, uma fotografia ou a destreza física aplicada a um desporto? Podem ensinar-se conteúdos e competências que, depois, não se avaliam? Tudo isto é válido para todos os anos de ensino ou só quando a avaliação é certificadora (concede a atribuição de um diploma que pode ser utilizado para uma qualquer seriação dos seus possuidores, como seja o acesso à Universidade)? Finalmente, um outro tipo de questão: quem deve definir os critérios da avaliação interna que fazem os professores dos seus alunos? Um valor de 30% relativamente a uma nota final para um exame escrito de duas horas é suficientemente nivelador para um ciclo de estudos com três anos e nove trimestres de aulas e avaliações diversificadas?

Penso que críticos e apoiantes da atual doentia tendência para tudo medir e tudo avaliar estariam de acordo que, num país pequeno como o nosso, é importante definir um conjunto de objetivos comuns a alcançar por todos os alunos. Entre os três e os dezoito anos de idades e dentro de uma enorme variedade de disciplinas – com as suas estruturas conceptuais próprias e apelos emocionais variantes quanto à sua capacidade de firmar a adesão interessada dos alunos – fixar parâmetros é uma tarefa complexa e sempre limitada. A atribuição dessa tarefa, com que critérios e com que priorizações, é um problema político tão carente de transparência quanto as práticas das escolas e um problema educativo essencial que é raro ver-se publicamente abordado.

A avaliação pedagógica é um instrumento de trabalho sério, complexo e indispensável, tanto para os professores, as escolas, os decisores públicos e, não o esqueçamos, os alunos. Infelizmente, a própria correção de um teste escrito ou de um exame nacional também não são tarefas objetivas e que haja disciplinas em que tal empreitada se torna mais imune aos humores do corrector, é um conto da carochinha. É, pois, uma área de reflexão complexa do ponto de vista filosófico e técnico porque há muitos aspectos da instrução e da educação que só se podem avaliar a longo prazo e a coincidência absoluta entre avaliação e aprendizagem é, simplesmente, impossível

Para melhorar a aproximação entre uma e outra é necessário aplicar morosas e difíceis modalidades qualitativas e formativas, assim como a complicada avaliação do processo, isto é, não só aquilo que o aluno retém e reproduz mas o modo como lá chegou. Por outras palavras, é preciso começar por querer avaliar o que o aluno sabe e não aquilo que ele não sabe e, depois, desistir de converter a avaliação num "ranking" de classificações entre instituições que nada têm de comparável entre si. Fomentar uma competitividade irracional e improdutiva pode atingir apogeus dramáticos como quando se defendeu que as escolas com melhores resultados deveriam ser recompensadas com mais recursos, ignorando-se a realidade dolorosa de os resultados escolares em Portugal estarem, sobretudo, ligados às condições económicas e culturais das famílias. Esse dramatismo parece ter tido algumas consequências, como seja propagandear-se que há escolas entregues a práticas de um certo banditismo avaliador. Que os leigos na matéria se espantem e promovam o seu espanto individual é uma coisa. Já por parte do ministro deveria ter surgido um comentário assertivo ou ficamos a pensar que, também ele, apresenta indícios de insucesso nesta matéria. Sabe-se que um professor pouco competente tende a esconder as suas limitações inflacionando as notas ou apresentando instrumentos de avaliação demasiado fáceis ou demasiado difíceis e é um facto que há escolas e professores que têm dificuldade em avaliar bem os seus alunos, mas essa falha deles é tanto a falha da tutela como a falha das escolas que os formaram profissionalmente, sem esquecer a pressão das comunidades para uns resultados que não ajudaram a conseguir.

Comentários
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  • António Costa
    27 nov, 2018 Cacém 14:06
    "O sr. professor dá-me sempre 8 valores, sempre!" Prof: isso não é verdade, os teus trabalhos é não tem qualidade! Aluno:" O último trabalho, levou 8 valores. Não passa de uma copia integral, de um trabalho pouco conhecido do escritor que é o seu ídolo..." Goste-se ou não, os Exames são como a Democracia, são uma grande "____"; mas ainda são o método mais "anti-compadrio" que existe. Principalmente nos dias de hoje, onde a coberto da "protecção de dados", as notas deixaram de ser públicas. A corrupção e o crime organizado tiveram assim uma enorme vitória. Somos seres humanos e no "mundo real" as simpatias pessoais contam muito mais que as supostas competências técnicas.