10 set, 2024 • Rute Agulhas
Quem precisa de ajuda por algum motivo e recorre a alguém precisa de sentir que, mais do que disponibilidade de tempo numa agenda, existe uma verdadeira disponibilidade emocional.
Não basta sentir que alguém reservou um tempinho para nos ouvir - é preciso sentir que, durante esse tempo, existe capacidade de escuta, real interesse e entrega total.
Vivemos todos numa correria e, em regra, contamos os minutos para tudo e mais alguma coisa. Vivemos em contrarrelógio. Permanentemente atrasados e com a horrível sensação de que não damos conta do recado e que estamos em falta com alguém ou alguma coisa.
Se existe alguém que precisa de ser escutado - aquilo que diz e também as palavras que morrem nos lábios, ainda antes de serem pronunciadas – larguemos, então, o relógio e tentemos experimentar um processo de escuta sem tempo marcado nem um fim anunciado.
Esta disponibilidade emocional de que, no fundo, todos precisamos, implica ainda saber que o outro está lá, sempre que é necessário. Porque as aflições, os medos, as preocupações e as angústias não aparecem apenas nos dias úteis entre as 9h e as 17h. Aparecem de surpresa e sem aviso prévio, roubam as atenções e exigem algum tipo de resposta.
Quando se trabalha com vítimas de alguma forma de violência, é fundamental assumir que esta disponibilidade emocional é essencial ao estabelecimento e à manutenção de uma relação de confiança.
Sabemos que as vítimas apresentam, por norma, elevada desconfiança relacional e que demoram muito tempo até se sentirem seguras com alguém.
Pois desabafar com alguém que transmite interesse e compreensão e não olha para o relógio a cada “x” minutos é, desde logo, meio caminho andado para a construção de pontes que alicerçam a tão necessária confiança.
Agora que as férias acabaram e que voltamos a estar de olhos postos nos ponteiros dos relógios, é chegada a hora de saber colocar o relógio de lado em algumas situações.
Rute Agulhas é psicóloga, perita forense e coordenadora do Grupo VITA