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Pedro Vaz Patto

Seguir, ou não seguir, a onda

09 set, 2024


​As Filipinas são hoje o único país do mundo que reconhece a indissolubilidade do casamento também no plano da ordem jurídica civil, a qual não conhece, pois, o divórcio (Malta deixou de o ser em 2011, em resultado de um referendo).

As Filipinas são hoje o único país do mundo que reconhece a indissolubilidade do casamento também no plano da ordem jurídica civil, a qual não conhece, pois, o divórcio (Malta deixou de o ser em 2011, em resultado de um referendo).

Poderá parecer que estamos perante uma singularidade anacrónica, destinada a desaparecer a breve trecho, e que as Filipinas, onde agora se discute a introdução do divórcio na legislação civil, aceitarão essa proposta e seguirão a onda que já percorreu o mundo inteiro, incluindo os países de mais forte tradição católica. Mesmo assim, uma sondagem referida no portal da conferência episcopal filipina (https;//cbcfnews.net) aponta no sentido de que essa alteração não vai de encontro à vontade da maioria da população desse país.

Os bispos filipinos publicaram uma declaração (acessível nesse seu portal) relativa a essa proposta. Nessa declaração reafirmam a sua adesão ao princípio da separação entre a Igreja e o Estado e reconhecem que nem todas as confissões religiosas atribuem ao casamento a propriedade da indissolubilidade, como o faz a Igreja Católica. Reconhecem que, sendo as Filipinas o único país do mundo que até hoje não legalizou o divórcio, poderemos pensar que estamos perante uma onda irresistível.

Mas o alerta que lançam parece muito oportuno: antes de seguir essa onda, como se não fosse possível detê-la e sem sequer questionar a sua razão de ser, importa verificar, com recurso a estudos e estatísticas, se a generalização do divórcio veio, na verdade, contribuir para o bem da família e para o bem comum. Na verdade, em todos os países que legalizaram o divórcio, este não permaneceu excecional; pode mesmo dizer-se que, progressivamente, se veio a banalizar (em muitos países, mais de metade dos casamentos termina em divórcio).

Questionam, então, os bispos filipinos nessa declaração: pensemos em todas as (frequentes) vezes em que desentendimentos no casal não conduziram à rutura e vieram até a provocar um fortalecimento da relação, precisamente porque no horizonte não havia a possibilidade de recurso ao divórcio como pretensa e fácil solução. Essa possibilidade não será um incentivo para desistir de superar desentendimentos que não são insuperáveis? E pensemos no sofrimento provocado nos filhos nessas situações, em que a rutura do relacionamento dos pais poderia ser evitada.

É um dado hoje mais do que evidente que “o divórcio gera divórcio”: porque leva a uma maior ligeireza na assunção do compromisso matrimonial (casamentos “à experiência”, que facilmente conduzem ao fracasso da “experiência”, pois se tende a desistir à primeira dificuldade) e porque facilita a rutura, e não a desincentiva, nas muitas situações em que ela pode ser evitada.

Embora muitas vezes se pretenda não reconhecer esse facto, a generalização do divórcio, em que os filhos de pais separados se tornam a regra, não é um bem para estes (veja-se, por exemplo, o livro de Elizabeth Marquardt, Between two worldos – The inner life of children of divorce, Threee Rivers Press, 2005).

São, por isso, sensatas e oportunas as advertências dos bispos filipinos. Não é, certamente, a legislação civil que garante, por si só, a estabilidade da família, mas a ela também não ajuda uma legislação que facilita ao máximo o divórcio, como, invariavelmente, acaba por suceder em todos os países do mundo que o legalizaram.

Mas os bispos filipinos, nesta sua declaração, também afirmam que, muito para além da legislação civil, para evitar este a que chamam um «drama do nosso tempo», importa assumir a missão de «fortalecer o amor das famílias e sarar as feridas». É também essa a missão para que aponta o Papa Francisco na exortação apostólica Amoris Laetittia quando alude à «pastoral do vínculo»: «mais importante do que uma pastoral de fracassos, é o esforço de consolidar os matrimónios e evitar as ruturas» (n. 307).

Para tal, servem muitos recursos a que se refere tal documento de forma aprofundada: desde a preparação para o matrimónio, o acompanhamento dos jovens casais, o acompanhamento e ajuda nas situações de crise. Aí se afirma, a respeito das crises (n. 232): «A história duma família está marcada por crises de todo o género, que são parte também da sua dramática beleza. É preciso ajudar a descobrir que uma crise superada não leva a uma relação menos intensa, mas a melhorar, sedimentar e maturar o vinho da união.

Não se vive juntos para ser cada vez menos feliz, mas para aprender a ser feliz de maneira nova, a partir das possibilidades que abre uma nova etapa. Cada crise implica uma aprendizagem, que permite incrementar a intensidade da vida comum ou, pelo menos, encontrar um novo sentido para a experiência matrimonial. É preciso não se resignar de modo algum a uma curva descendente, a uma inevitável deterioração, a uma mediocridade que se tem de suportar. Pelo contrário, quando se assume o matrimónio como uma tarefa que implica também superar obstáculos, cada crise é sentida como uma ocasião para chegar a beber, juntos, o vinho melhor».

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