19 jun, 2017
“Bastaram alguns segundos e tudo ficou reduzido a cinzas. Num momento as chamas estavam a quilómetros, noutro já estavam em cima de nós." A imagem é de um sucateiro da localidade de Adega, no concelho de Pedrógão Grande e é-nos trazida pela jornalista do "Público" Sandra Rodrigues, na edição digital do jornal. Como "as ondas do mar que tudo levam à frente” – ajuntava. Eram as imagens do inferno, que nos pintavam antigamente na catequese, tornadas realidade, dizia alguém num canal de rádio.
Estes depoimentos e as largas dezenas de corpos carbonizados, a pontuar as estradas e caminhos por onde as labaredas galoparam, surgem de um cenário ainda a arder, com muita gente desalojada, refugiada e destroçada, muitas famílias inquietas, centenas de profissionais a procurar combater o caos e acolher os que fugiram. Um país em comoção, muita gente que de longe de Portugal se interessa, envia mensagens, manifesta solidariedade.
No meio deste inferno, quando é prioritário acudir, acolher, “consolar os tristes” e “enterrar os mortos”, eis que se soltam os ‘opinadores’ e até mesmo os especialistas, que falam do que não sabem, mesmo antes de se perceber melhor o que se passou e a resposta que foi dada. Que ajuízam de forma simplista situações altamente complexas. Que buscam desesperadamente culpados, antes do conhecimento dos factos. Múltiplos sinais de querer cavalgar o momento, mesmo que à custa de instrumentalização de cadáveres.
Percebe-se o desabafo e a revolta de quem se viu cercado pelas chamas. Não se pode aceitar quem, de longe, atira gasolina para a fogueira, desrespeitando o luto e o choque do seu semelhante e alheio à entrega, até à exaustão, de quem luta no terreno. Tal ruído e falta de contenção não ajudam nada e só contribuem para inquinar a necessária reflexão e tomada de decisões, uma vez feito o apuramento dos factos.
Os dias de luto nacional deveriam servir para resolver o que é mais urgente, acompanhar quem precisa, enterrar os mortos, conhecer e avaliar o que se passou.
Como já vimos, no meio da tragédia, há também histórias admiráveis de coragem e de interajuda que os que sobreviveram têm para contar. Há um grande respeito a ter por quem prefere o silêncio. Importa não esquecer as crianças e as suas perguntas, nas zonas mais afastadas e na casa de cada um. Feita a experiência de que há mesmo inferno, há-de chegar a hora de tomar decisões realistas e exequíveis. A floresta deixou de ser apenas um problema de quem a tem. É um grave problema de todos nós.