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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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​NEM ATEU, NEM FARISEU

O casamento não traz felicidade

07 abr, 2017 • Opinião de Henrique Raposo


Não há casamento sem sacrifício pessoal. Os primeiros anos dos filhos, por exemplo, são anos de trincheira.O amor não é fofura, é ringue de boxe.

Pensar que o casamento é sinónimo automático de felicidade é talvez o grande erro da minha geração. O “feliz para sempre” é um equívoco, porque transforma o casamento numa sala de chuto de afectos, fofuras e sonhos. Pior: transforma o casamento real num prolongamento de um casamento idealizado ao longo do namoro. Ou seja, o “feliz para sempre” é a eternização da paixão adolescente. Um sarilho, pois o casamento é outra coisa, é uma aliança entre duas pessoas que se amam para lá dos afectos flutuantes.

Quem é casado sabe do que falo: há anos bons e há anos maus. Se pensarmos apenas na nossa emoção, no nosso prazer, na nossa realização pessoal, há momentos muito duros no casamento. Não há casamento sem sacrifício pessoal. Os primeiros anos dos filhos, por exemplo, são anos de trincheira.

A relação do casal e o próprio trabalho vão para o banco do pendura, ao volante ficam as fraldas, os banhos, as birras, as noites mal dormidas, a inexistência de férias ou viagens, etc. Mas são estas alturas sacrificiais que definem a força de um casamento. O amor não é fofura, é ringue de boxe.

Hoje procura-se a felicidade no sentido do prazer imediato e pessoal. E espera-se que o casamento seja um fornecedor desse prazer centrado no “eu”: os filmes e as séries da HBO que o casalinho vê no sofá, o sexo, as viagens que o casalinho anuncia no Facebook, os concertos e festivais de verão, etc. Sucede que o casamento não é esta passerelle.

Como diz Tiago Cavaco no livro “Felizes para Sempre e outros equívocos”, o casamento implica “abdicar de coisas que nos agradam”. O casamento não é sobre nós, é sobre os outros que nos rodeiam. Nós não casamos para sermos felizes, casamos para fazer os outros felizes. O casamento não é um espelho do nosso prazer, é um pilar de outras pessoas: é um pilar dos filhos que geramos e criamos, por exemplo. E, se é um pilar de infâncias, também é um pilar de velhices: um matrimónio também é um amparo dos sogros que se herdam.

Ora, ser este pilar implica um espírito de renúncia que é a negação perfeita da nossa cultura centrada numa felicidade entendida como prazer. É por isso que temos uma taxa de divórcio de 70%. É caso para perguntar: apenas 30% dos casados da minha geração compreendeu que o casamento é o início da vida adulta e não um prolongamento da adolescência?

Moral da história? É importante refazermos o conceito de felicidade. O casamento ensina-nos a procurar a felicidade nos outros, nos filhos que crescem, na ajuda que se dá aos sogros, na ajuda que se recebe dos sogros, nas provações que se superam em conjunto – as ânsias profissionais, o aperto na carteira, as querelas familiares, a unha do pé encravada, a quimio, aprender a lidar com o feitio do outro, etc. Se quiserem, o casamento comporta a felicidade tal como o maratonista a entende.

Quem já fez ou faz atletismo sabe do que estou a falar: correr longas distâncias não dá prazer; ver um filme, ler um livro, estar na praia, beber um vinho – tudo isto dá prazer. Mas correr 40 km não dá prazer, dá dor. Porém, quando acabamos uma corrida assim, sentimos algo que está para lá do prazer, sentimos uma força que vem do princípio do tempo, sentimo-nos abraçados por uma força que vem do tempo em que coisas ainda nem sequer tinham nome.

Comentários
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  • Marco Macedo e Brito
    14 ago, 2019 Lisboa 12:21
    Bom dia Henrique Raposo, gostei muito do seu texto! Muito obrigado. Marco Brito
  • Alexandre
    28 dez, 2017 Lisboa 21:45
    Pobre da mulher do Henrique Raposo. Como ela deve sofrer...
  • Pedro Silva
    28 dez, 2017 Lisboa 19:06
    Estou plenamente de acordo com a ideia de amor e casamento em relação a pessoas como o Henrique Raposo: o casamento é infeliz e o amor não existe; como HR explica, é um ringue de boxe.
  • Miguel
    26 set, 2017 22:17
    O que aqui vejo, salvo algumas (poucas) excepções, é uma cambada de ressabiados que resolveram largar todo o fel no primeiro artigo que lhes apareceu à frente... A minha mulher casou com um filho único de uma mãe possessiva e pior, foi viver para casa da sogra... mas o nosso casamento dura há 17 anos: o que conta é o marido, não é a sogra: "o filho abandonará pai e mãe para se unir à sua esposa"... Superar as dificuldades da vida é que dá o verdadeiro prazer, mais do que um bom vinho à luz de velas!...
  • afonso
    20 set, 2017 03:38
    pois ler este texto foi como beber aquela zurrapa que bebiamos quando tinhamos catorze ou quatorze anos. só dá dor de cabeça de tanto cliché. agora inserir aqui uma prece..."santa maria, mãe de Deus...."
  • Mara
    21 mai, 2017 Portugal 17:08
    Caro Dr. Raposo Conheço lindos casos de amor eterno...mas se uma rapariga tem o azar de casar com filho único, menininho duma mamã possessiva e for morar para casa da sogra é melhor não desfazer a mala que levou no dia do casamento, ela fará de tudo para os separar, sem consideração pelo filho e netos, esquecendo as palavras de Cristo: "Jamais alguém separe aquilo que Deus uniu..."
  • Duschinha Famel
    05 mai, 2017 Lisboa 09:01
    Caro Henrique, o casamento não é mais fracassado hoje do que era há 50 anos atrás... O que acontece e provoca o exagero de divórcios é que hoje em dia, as pessoas sentem-se livres para se divorciar enquanto que antigamente o divórcio era uma vergonha e os problemas do casamento eram "aceites e escondidos" tais como a infidelidade, violência doméstica ou simplesmente a falta de amor.... Os enganos de agora são os mesmos de antigamente, as pessoas é que agora encaram o divórcio com naturalidade e não como uma vergonha ou um fracasso...
  • Ana Teixeira
    23 abr, 2017 Lisboa 19:13
    A taxa de divórcio não é de 70%, pois reflecte os casamentos celebrados num ano (hoje em dia em muito menor número, ganhando força a união de facto) e os divórcios concretizados nesse mesmo ano (que englobam TODOS os casamentos celebrados nos anos precedentes). Não é preciso ser um génio da estatística para entender que estamos a comparar dois números totalmente diferentes e díspares, chegando a esse número absurdo de 70%. Para calcular a taxa de divórcio ter-se-ia que limitar no tempo os casamentos em análise, isto é, dos casamentos celebrados entre 2000-2005 quantos acabaram em divórcio. Certamente que a taxa seria bem menos reduzida!
  • Ana Teixeira
    23 abr, 2017 Lisboa 18:25
    A taxa de divórcio não é de 70%, pois reflecte os casamentos celebrados num ano (hoje em dia em muito menor número, ganhando força a união de facto) e os divórcios concretizados nesse mesmo ano (que englobam TODOS os casamentos celebrados nos anos precedentes). Não é preciso ser um génio da estatística para entender que estamos a comparar dois números totalmente diferentes e díspares, chegando a esse número absurdo de 70%. Para calcular a taxa de divórcio ter-se-ia que limitar no tempo os casamentos em análise, isto é, dos casamentos celebrados entre 2000-2005 quantos acabaram em divórcio. Certamente que a taxa seria bem menos reduzida!
  • Indignado
    23 abr, 2017 Lisboa 10:55
    No geral, identifico-me com os pensamentos de Henrique Raposo. Neste artigo, entendo que exagera no nível de sacrifício familiar de que fala. Existe algum, como em tudo na vida, mas quando encarado com sentido de dever, passa a fazer sentido, a ter um nobre significado e no fim, sentimos-nos felizes, pois demos sentido à nossa vida e à dos outros. Além do mais, estamos em comunhão com Deus, a quem pedimos ajuda e ela acaba por aparecer. Haja coerência Cristã e Fé em Deus!