03 abr, 2017
Terminou mais uma daquelas semanas em que o jornalismo nacional insiste em desviar-se por completo de qualquer noção de equilíbrio para nos presentear, durante todo o dia, com detalhes e mais detalhes, reacções e mais reacções, comentários e mais comentários (então os comentários...nunca mais acabam e são uma espécie de erva daninha –estão por todo o lado) a propósito de um jogo de futebol.
Bem sei o que disse Bill Shankly sobre o ‘jogo bonito’ mas acho que ele próprio, se viesse a Portugal no presente, não acreditava no espalhafato para lá de qualquer razoabilidade que por cá se instala nalgumas semanas do ano.
À deriva entre as estratégias promocionais das fontes (sobretudo dos representantes dos grandes clubes e instituições) e uma luta desenfreada por audiências e/ou receitas de publicidade, a gestão editorial do jornalismo desportivo vive sem qualquer horizonte e num ambiente de absoluta irresponsabilidade.
A falta de horizonte percebe-se no abuso das ligações em directo para repórteres que não dizem nada de novo, percebe-se na forma como se interrompem espaços informativos para transmitir excertos de respostas de treinadores em conferências de imprensa e percebe-se na eliminação de espaços habituais de programação para dar lugar a ‘especiais’ sobre o tal do jogo de futebol.
O juízo jornalístico sobre o que é, de facto, notícia, sobre o que é, de facto, razoável e sobre o que é, de facto, relevante guarda-se numa gaveta ainda mais funda nestes momentos.
A irresponsabilidade está na forma como este jornalismo trata os chamados ‘efeitos’ das suas acções. Ou seja, a violência organizada nos recintos desportivos ou a violência contra alguns dos seus agentes. Não é aceitável que o jornalismo desportivo contribua – ao privilegiar formatos de confronto – para um clima de tensão permanente no futebol nacional e, depois, se refira ao número crescentes de incidentes como se fossem episódios à margem da sua actividade. Não são.
O jornalismo – incluindo o o desportivo – só é socialmente relevante se assumir a sua função de informar com rigor e transparência e se assumir a sua função de espaço de diálogo e de equilíbrio. Tudo o resto é, cada vez mais, merecedor de censura social.
O clima de desconfiança generalizada em torno do jornalismo, que tem efeitos perversos na qualidade dos regimes democráticos, não apareceu por acaso e há modelos de exercício da profissão que precisam de reforma urgente. Sob risco de se afundarem e de com eles levarem tudo o que de muito bom e de muito relevante fazem tantos e tantos jornalistas todos os dias.