20 fev, 2017
Este fim-de-semana, prestes a completar um mês de exercício da Presidência, Donald Trump brindou-nos com mais uma das suas ‘verdades alternativas’ durante um comício na Flórida. Ao enunciar países que, segundo ele, teriam ido longe demais nas políticas de acolhimento a refugiados e estariam a sofrer atentados terroristas disse algo do género: “olhem para o que se passou ontem à noite [sexta-feira] na Suécia.
A Suécia, quem haveria de pensar? A Suécia. Eles acolheram muitos refugiados e agora têm problemas como nunca imaginaram que iriam ter”. Acontece que na Suécia não se passou nada semelhante. O ex-primeiro-ministro sueco, Carl Bildt, reagiu até com ironia escrevendo na rede Twitter: “O que é que ele anda a fumar?”.
Num mês tivemos, segundo alguns cálculos (certamente falíveis), quase uma centena de afirmações, declarações ou reacções por parte de elementos da Administração Trump contendo dados não verificáveis. E tivemos, invariavelmente, reações de espanto nas redes sociais e nos média seguidas de uma qualquer explicação, correcção ou clarificação (neste caso, o da Suécia, Trump terá dito que falou de algo que viu na Fox News).
Esta quase dança, este circuito de ‘verdadezinha – verificação – verdadezinha alterada’ tem um carácter extremamente lúdico. É um ‘bom produto’ para alinhamentos informativos e é, também, um bom tópico para conversas de café entre amigos. Nasce e morre todos os dias – tem emoção, tem ritmo, tem princípio, meio e fim – e recorre a uma estrutura narrativa que nos é muito confortável e que é usada à exaustão em novelas, folhetins, séries e saga cinematográficas.
Corre, por isso, o risco de entrar com facilidade naquele território da ‘nuvem do banal’, um emaranhado de temas que está presente no nosso dia-a-dia mas ao qual damos já pouco mais do que atenção instantânea.
Acontece que foi precisamente esta a estratégia que garantiu um sucesso eleitoral inédito a um empresário falhado como Trump – os média viveram com deleite os seus desvarios diários, deram deles uma imagem tendencialmente banalizada e ajudaram, assim, a impulsionar um movimento que muito poucos levaram a sério até ser tarde demais.
Trump é um produto de uma lógica mediática que gosta muito de momentos exuberantes em cadeia e os média – nacionais e internacionais – precisam de assumir as suas responsabilidades, tratando a estratégia da nova administração norte-americana com seriedade. Não nos falem só da última escandaleira, por favor. Falem-nos do que está a mudar a sério, enquanto andamos entretidos com isto. Vá lá.