30 jan, 2017
Se me pedissem para colocar palavras-chave no recente Congresso dos Jornalistas Portugueses, eu escolheria três, a partir daquilo que lá se ouviu. A primeira seria precariedade, para denunciar condições objectivas do trabalho, que atingem a dignidade humana. A segunda seria deontologia, para sublinhar as derrapagens nos deveres e compromissos consignados no código de conduta profissional, por desleixo ou medo do jornalista ou por pressão de quem está acima dele. A terceira, intimamente ligada às anteriores, seria o tempo, que hoje condiciona as redacções e os seus ritmos quotidianos. Permitam-me, neste apontamento, destacar o tempo.
Na era gutemberguiana, que prevaleceu até a século XX, as condições de produção das notícias obrigavam a um desfasamento de algumas horas, que tendencialmente se foi reduzindo, entre os acontecimentos e a sua publicitação. As edições dos jornais e revistas saíam e saem com determinada periodicidade, a mais típica das quais era a diária. A rádio e a televisão, também marcadas por essa lógica, foram evoluindo, até chegarem na segunda metade do século passado ao directo. A grande ruptura, neste terreno, adviria, porém, com a tecnologia digital e com a internet.
Quando o penúltimo Congresso dos Jornalistas ocorreu, em 1998, achava-se a web ainda no berço e a maioria destes profissionais entendiam que a internet não passava de um novo veículo para o velho jornalismo. A convergência possibilitada pela digitalização, os novos media e redes sociais, a proliferação de projectos jornalísticos específicos da net, as movimentações de novos e velhos poderes na informação, tudo isto combinado com uma crise económica larvar, vieram alterar substancialmente as condições do exercício do jornalismo.
A vida nas redacções acelerou, para responder às necessidades e lógicas de diferentes plataformas. A ânsia de ser o primeiro, de acompanhar os media sociais, produzir para diferentes meios e alimentar o fluxo noticioso gera uma pressão que leva, inevitavelmente, a que a qualidade seja sacrificada à quantidade. O tempo para aquilo que é vital no jornalismo – investigar, verificar, ponderar e editar – acaba por ser comprometido.
Por tudo isto é que a conquista de tempo e uma redobrada atenção à dimensão ético-deontológica estão hoje no centro da luta por melhores condições de trabalho e por melhor jornalismo.