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José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
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Opinião

​Trump Power

11 nov, 2016 • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


Essencialmente, Trump acredita nele próprio e naquilo que o pode levar a atingir os seus objectivos. E o eleitorado, órfão de quase tudo, decidiu acreditar em quem não acredita em quase nada.



Como foi isto (a eleição de Donald Trump) possível? Como se chegou até aqui? Para estas perguntas haverá nos próximas semanas múltiplas respostas.

Trump derrotou Hillary, mas de alguma forma derrotou também o legado de Barack Obama. O estado do país foi o melhor rastilho para a vitória de Trump. E o empenho do actual Presidente na campanha eleitoral revelou-se insuficiente para evitar a derrota.

O populismo de Trump foi música para os ouvidos de muitos americanos que nos últimos anos empobreceram enquanto o país crescia. Desprotegidos no presente e assustados com o futuro acreditaram num candidato que parecia ter tudo para sair derrotado. Fanfarrão, provocador e ofensivo, Trump derrotou uma Hillary Clinton combativa, mas identificada com o sistema.

Socialmente, Hillary tinha uma agenda ambiciosa que lhe havia sido imposta por Bernie Sanders. Mas para responder ao sobressalto social americano, a receita escolhida acabou por não vir da esquerda. Com isto, não digo que tenha vindo da direita, porque é difícil perceber as verdadeiras convicções de Trump. Essencialmente, Trump acredita nele próprio e naquilo que o pode levar a atingir os seus objectivos. E o eleitorado, órfão de quase tudo, decidiu acreditar em quem não acredita em quase nada.

Cerca de metade da sociedade americana optou por um candidato que tem sabido retirar do sistema tudo o que lhe interessa, mas que montou a sua campanha como se de um outsider se tratasse. Só que não é.

Ao longo da sua vida pública e empresarial, Donald Trump tem vivido do sistema, e com o sistema, e em todas as suas entrelinhas: desde a legislação fiscal até aos favores do “star system” americano e dos “reality shows”.

O Trump que chega a Washington a bordo do seu próprio avião para conversar com Barack Obama, não é nem pode ser anti-sistema. Mas enquanto lhe der jeito desempenhará o papel de forma conveniente, porque a retórica anti-sistema permitiu-lhe ir ao encontro de muitas franjas da sociedade americana, fustigadas pela crise e pelo desencanto.

Para explicar a cavalgada populista de Donald Trump há também quem aponte o dedo à internet e às redes sociais. Para o bem e para o mal, ninguém pode ignorar o poder das novas ferramentas de comunicação; até na difusão das coisas mais cobardes e abjectas que sempre existiram, mas que encontram agora novo território de afirmação. E é verdade que Trump foi claramente eficaz no combate digital.

Em todo o caso, o populismo não nasceu com a Internet. Não consta que tenham sido as redes sociais a impulsionar a vitória de Hitler nas eleições alemãs.

Hoje como no passado, nas redes como noutros espaços da vida social, o populismo contagia e propaga-se quando ao desencanto se juntam o défice de convicções e de comparência. Sem convicções autênticas protagonizadas por gente credível é difícil combater o populismo. E voltar as costas às redes sociais deixaria o terreno (ainda mais) livre para todo o tipo de instrumentalização que explora, de modo massivo e global, os instintos mais baixos e primários.

Depois do Brexit, o populismo arrecadou nova vitória com a eleição de Trump. Na Europa receia-se agora que no próximo ano a França possa sucumbir a Marie Le Pen e até o ministro alemão das finanças já expressou a sua ansiedade quanto ao futuro.

A Europa tem vindo a perder densidade de pensamento e de convicções, entregando a sua sorte aos ventos da economia. Mas quando a economia não resolve, o panorama complica-se. Resta saber como é que os efeitos do Brexit e da eleição de Trump vão ser digeridos pelos eleitores europeus.

De resto, sobram ainda grandes incógnitas quanto ao processo do Brexit. A pressão para um novo referendo não vai abrandar tão cedo. Como é cedo para avaliar o início do mandato do novo presidente americano.

Para já, no discurso de vitória, Trump deixou no ar um certo sabor presidencial, pelo seu carácter inclusivo e até pelo modo como se referiu à sua adversária. Este Trump presidencial e conciliador dificilmente teria ganho as eleições; e se Hillary tivesse sido tão autêntica na campanha como foi no discurso da derrota, talvez não as tivesse perdido.

Comentários
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  • Marco Almeida
    13 nov, 2016 Olhão 16:10
    Diz o articulista (Trump derrotou uma Hillary Clinton combativa, mas identificada com o sistema). Foi por isso mesmo por a senhora estar identificada com o sistema(corrupto dos USA e ela própria também com escândalos suficientes para dar a volta ao mundo) que Trump ganhou, e embora isso doa a muita gente vão ter que o gramar, se eu gosto dele é claro que não, mas se fosse Americano também votaria nele, a malta está farta do sistema actual (tudo para os bancos) e já não aguenta mais, presentemente as pessoas vivem com o minimo para sobreviver e olha lá, a pergunta que fica no ar, será que os "politicos" actuais têm espinha dorsal e o intestino grosso directamente ligado ao cérebro. Eu não tenho a minima dúvida que sim.
  • Miguel Botelho
    12 nov, 2016 Lisboa 22:43
    José Luís Ramos Pinheiro, Donald Trump venceu Hillary Clinton, porque os democratas decidiram concorrer para estas eleições, com uma candidata republicana e com ideias republicanas.
  • MASQUEGRACINHA
    12 nov, 2016 TERRADOMEIO 19:07
    Existe um défice de convicções porque existe um défice de ideologia(s), um "fim da História" de facto, que se instalou em poucos anos como se sempre lá tivesse estado. A simples menção da palavra "comunismo" provoca reações pavlovianas. Curiosamente, não me apercebi de nenhum comentário a declarações recentes do Papa Francisco sobre a identidade de objetivos entre comunismo e cristianismo... Deve ser por pudor, como quando o avôzinho se descuida com os gases durante o almoço de domingo. Quanto aos populismos, há que considerar que, quando tudo o resto nos escapa, sobra-nos só a única pertença que não pode (por enquanto) ser-nos retirada: a do país onde nascemos, onde nos sentimos senhores de alguma coisa, onde temos direitos indiscutíveis simplesmente porque sim. Rodeados de ruído, de desorganização, de corrupção, cupidez, arrogância, desfaçatez, manipulação e sofrimento insanável, tentamos salvar a qualquer custo o torrão onde somos alguém, a única coisa que é, por direito de nascimento, nossa e nós dela. Onde os estrangeiros são sempre hóspedes na nossa casa. A qualquer custo mesmo, nem que seja votando em Trumps e Le Pens, defensores in extremis da causa principal, que o resto logo se verá. Face à queda das máscaras e à pura e simples falta de vergonha reinante, a todos os níveis, nisso a que chamam União Europeia, qual de nós ainda crê, sinceramente, que perder mais soberania nacional será um ganho? Só se for para a explorada Alemanha...
  • graciano
    12 nov, 2016 alemanha 18:43
    ele tem as suas ideias e tem o direito de as tentar impor tal como os outros teem se sao boas ou mas o tempo o dira
  • António Costa
    12 nov, 2016 Cacém 11:22
    "...montou a sua campanha como se de um outsider se tratasse. Só que não é." E é exatamente isso, Trump é um vendedor de "sucesso". Diz o que as pessoas gostam de ouvir. Apenas isso, aproveita as "falhas do sistema", ao qual pertence, para se autopromover. O problema foi que depois da queda do muro de Berlin o "Sistema" deixou de ouvir as pessoas. Os "gurus" da politica e da economia acharam que sem a "ameaça soviética" era uma "perda de tempo" ouvir a opinião pública. Assim o respeito pelo outro, foi desaparecendo gradualmente, na classe politica. Ao verem os seus receios a serem Sistematicamente Ignorados pelas forças politicas "tradicionais" os votantes viraram-se para os "radicais".
  • Margarida
    11 nov, 2016 Cascais 22:18
    Trump: o Alberto João Jardim dos States... Parece-me que é sincero quando diz que vai fazer a América grande. Será que vai conseguir?