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Opinião de Graça Franco
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Quem salva a Caixa?

18 ago, 2016 • Opinião de Graça Franco


Todo o processo de substituição na Caixa Geral de Depósitos só fragiliza os novos administradores.

Ainda não foi desta. O folhetim da substituição da administração da Caixa Geral de Depósitos ameaça não acabar tão cedo e ir de mal a pior. A decisão do BCE, conhecida na quarta-feira, ao deixar em suspenso a nomeação de oito dos nomes propostos, é apenas mais um passo no arrastar de uma decisão com custos difíceis de calcular. Um assunto sério que devia ter sido tratado com pinças e com a maior discrição arrasta-se há um ano e meio na praça pública, com a equipa de Centeno a dar prova do mais puro amadorismo.

Previa-se que o BCE, agindo com algum bom senso, travasse a onda de nomeações para a CGD (num total de 19 novos nomes, sete dos quais executivos), limitando o seu aval a 11 novos administradores.

Mas a decisão do BCE foi bem pior. Aprovou 11 nomes, deixou em suspenso oito novas indigitações e deixou passar o modelo de governo imposto por António Domingues, concentrando os poderes de presidente do conselho de administração e da comissão executiva numa única figura e aprovando-o de forma provisória e apenas por seis meses.

Resumindo: o ponto final esperado transforma-se apenas em mais um parêntesis que prolonga um pouco mais a instabilidade que vai minando a confiança na instituição.

O Governo usará os seis meses para tentar convencer o BCE que António Domingues (líder da nova comissão executiva) não precisa de ter um contraponto na figura de "chairman" existente no modelo actual e que se pretende eliminar no futuro porque não há interesses de outros accionistas para salvaguardar.

O BCE tentará provar que mesmo num banco público é preciso um contrapeso ao poder “absoluto” do líder da comissão executiva que pode ser levado a confundir “interesse da tutela – enquanto intérprete do interesse do accionista” e interesse dos contribuintes (verdadeiros accionistas!). Se ao fim de seis meses vencer a tese do BCE, Domingues já não perderá a face e, entretanto, gozou já de um semestre de poder “absoluto”.

Quanto aos 19 novos administradores requeridos, o Governo esforça-se por explicar a necessidade absoluta das duas dezenas numa lógica de controlo apertado dos actos da nova gestão “comissão a comissão”. Um número que contrasta com o facto de não se ter importado que a Caixa estivesse nos últimos meses limitada a uns míseros quatro administradores executivos em “gestão corrente”. A argumentação choca ainda com propostas como o nome de Bernardo Trindade entre os não executivos (com enorme proximidade ao PS e nenhuma proximidade ou conhecimento da Banca) fazem temer o pior.

Excesso de amadorismo

Mas o BCE não foi por aí. Aceitará os 19 limitando-se a objectar para já oito dos que foram propostos. Para esses exige apenas que se desfaça o impedimento que decorre de um excesso de presença dos indigitados numa pluralidade de outros conselhos de administração e órgãos sociais de múltiplas empresas. Resumindo: menos acumulações ou novos nomes e o BCE lá darão o seu aval. Aprovados nesta primeira leva ficaram onze dos propostos: os sete executivos, o conselho fiscal e alguns não executivos.

O Governo desvaloriza o atraso e diz que o BCE só levanta a questão do excessivo número de acumulações porque a lei portuguesa impõe, nesta matéria, um critério mais apertado do que a própria directiva europeia transposta para o ordenamento nacional. No fundo, segundo Ricardo Mourinho Félix explicou à Renascença, o que o BCE disse foi qualquer coisa do género: “Os nomes que vocês propõem não nos suscitam reservas, mas não cumprem a lei portuguesa e, portanto, ou alteram a lei ou convencem os indigitados a deixar outros cargos para ocuparem os da CGD para os quais foram convidados”.

Perante isso, o Governo apressou-se a dizer que vai mudar a lei (cuja bondade aparentemente ninguém está disposto sequer a questionar) e, com isso, espera resolver “grande parte” do problema. Fica no ar a possibilidade de, num ou outro caso, isso não bastar e os convidados já anunciados serem forçados a abandonar ainda mais qualquer coisinha se não quiserem ser “desconvidados” para se conformarem mesmo com a lei europeia, aparentemente mais laxista.

Na candura da explicação, o Governo não se dá conta de que não cuidar sequer de cumprir a lei nacional constitui no mínimo um “excesso de amadorismo”, de acordo com o léxico que Mariana Mortágua gosta de aplicar (ou gostava) nas comissões de inquérito.

Deriva academista

Mas há mais: ao tratar nos jornais todo o processo que deveria ter sido tratado com pinças a maior celeridade e discrição o Governo acaba a provocar um desgaste na nova equipa que claramente a fragiliza. Ficamos a saber também, por exemplo, que três dos novos executivos cujo nome foi aprovado ficam com a nomeação condicionada “à conclusão bem-sucedida” da formação que lhes é imposta já nos primeiros seis meses depois de tomarem posse e que passa, nalguns casos, "por um curso de Gestão de Risco na Banca” a frequentar no famoso INSEAD, uma prestigiada escola de gestão francesa, a somar a outros de “Risco Financeiro e Regulação pela Associação Global de Profissionais de Risco”.

No caso do gestor que vem da Vodafone ou do que vem da Telecom de Angola ainda se percebe o reforço de formação pretendido, mas no caso do ex-responsável de controlo de risco do BPI que parecia trazer exactamente essa grande mais-valia a exigência soa um bocadinho descabida e só pode fragilizar os novos gestores.

Pode até resultar de uma deriva “academista” imposta pelos regulamentos da nova União Bancária, que o secretário de Estado desvaloriza dizendo que esta é só a primeira decisão do BCE neste sentido porque outras se seguirão e que por isso teremos de nos habituar. Mas a verdade é que essas novas normas só foram criadas para evitar que se repitam os fenómenos que nos levaram à última crise financeira e que em Portugal justificaram casos tão traumáticos quanto o Banif ou o BES.

Por mais injusta que se apresente a imposição do BCE (será que o gestor em causa aceitaria o mesmo convite se soubesse desta condição que parece um quase enxovalho ao seu currículo?), o mínimo que se pode dizer é que ela não contribui para descansar os contribuintes. Tanto mais que, em Junho, fomos todos surpreendidos pela divulgação no “Correio da Manhã” de uma auditoria realizada à Caixa, em Agosto do ano passado, que apontava para “uma deficiente análise de risco” na origem de qualquer coisa como 912 milhões de imparidades de um total de 2,3 mil milhões de empréstimos concedidos a menos de uma dezena de empresas desde 2005.

Período de nojo na banca?

Desde Julho de 2015, quando Passos Coelho disse ao “Jornal de Notícias” que estava “preocupado” com a gestão da Caixa, que o processo de substituição da equipa de José de Matos está a ser tratado erradamente na praça pública. A cereja em cima do bolo surge quando já no Governo de Costa se soube na comissão de inquérito que foi António Domingos a comunicar ao ainda presidente da comissão executiva que o iria substituir no lugar, já a indigitação do vice do BPI tinha sido publicamente anunciada.

Desde então, o disparate tem sido total com ainda não empossado a impor um novo modelo de governo, reivindicando alterações legislativas que lhe permitem novos salários entre as condições impostas para aceitar o cargo e a avaliar as necessidades de capitalização com consultores externos (ou, pelo menos, a não desmentir as notícias que dão como certa essa avaliação).

António Domingos impôs ainda entre as suas condições para aceitar o cargo escolher a própria equipa, que sai quase em peso do BPI, o que levanta a questão de saber até que ponto o bom senso não aconselharia também nas transferências entre bancos algum período de nojo.

Os meses vão passando e continuamos todos sem saber o que efectivamente interessa: em quanto vai ser preciso recapitalizar a Caixa e porquê? E que parte desse montante vai ou não reflectir-se no défice ou seja quanto iremos pagar todos (em novos impostos ou mais austeridade) de novo e mais uma vez, por causa de um banco, ainda que desta vez seja “o nosso”?

Comentários
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  • Luis
    25 ago, 2016 Lisboa 07:55
    Por onde andava esta articulista quando a CUligação Pafalhada composta pelos grupelhos PSD e CDS ( Camaradas Do Santos) tudo faziam para rebentar com a CGD para a poderem vender aos Chineses a preço de saldo como fizeram com outras joias da coroa? Esteve de ferias quatro anos? A CGD hoje só não se chama Bank Chau Chau administrada por vinte ilustres banqueiros (da treta) escolhidos dentro das boyadas PSD/CDS (Camaradas Do Santos) porque a CUligação PaFalhada perdeu as eleições. O resto não passa de conversa fiada e de prosas mal amanhadas apenas como tentativa de adormecer boi. Só que a boiada Portuga já não se deixa enganar pelo refugo politico e muito menos pelos escribas que o servem.
  • A. FERREIRA
    19 ago, 2016 OEIRAS 10:46
    Têm a certeza que isto é verdade. Não será o enredo dum filme do JPV o tal que gosta de solicitar providências cautelares por tudo e por nada. É que se for verdade alguém é incompetente e andam muito distraídos com viagens no PS
  • daniel
    19 ago, 2016 Coimbra 10:14
    O País e a banca estão a saque. Cambada de corruptos, incompetentes, os politicos? esses nem os consigo definir sem ser como amadores. O que resta aos portugueses? Os que conseguirem é emigrar, os que ficarem bem paguem as contas.