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Opinião de Graça Franco
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​O mito das “sanções zero”

12 jul, 2016 • Opinião de Graça Franco


Mesmo sem multa, Portugal sofrerá sempre “danos reputacionais”. Resta saber quanto tempo vai resistir o ministro das Finanças ou se será ele, por ironia, a primeira vítima da ortodoxia de Bruxelas.

O que tem de tão grave o incumprimento por parte de Portugal e Espanha dos limites fixados nos Tratados que justifique a adopção de medidas que, nas 165 ultrapassagens anteriores, nunca foram aplicadas? Nada. A não ser a necessidade de evitar que Espanha repita o cenário “Geringonça”.

Sanções zero resolvem a injustiça? Não. Elas não agravam o défice de 2016, mas aumentam, na mesma, a desconfiança nos mercados constituindo mais uma ameaça à retoma. Exactamente o que se deveria evitar.

Centeno já preparou o terreno para clamar vitória, mas as chamadas “sanções zero” são uma inexistência. É evidente que será bastante menos mal do que a condenação de Portugal ao pagamento de uma multa efectiva até ao limite dos 360 milhões.

Isso agravaria directamente o défice que se quer desagravar. Se lhe acrescentarmos a possibilidade de os fundos estruturais serem congelados (em 50% como previsto nos Tratados) pode ser ainda pior. Reduz o investimento em queda travando ainda mais o crescimento. Mas, mesmo que isso seja evitado, haverá sempre “danos reputacionais”.

Basta ler o resumo da nota divulgada pelo Barclays aos investidores que o “Jornal de Negócios” divulgou esta terça-feira para ver a forma cada vez mais negra com que se olha o futuro da economia, prevendo que o crescimento fique praticamente estagnado em 2016 (1%) com um défice de praticamente o dobro do prometido (acima de 4%).

Teme-se o excesso de endividamento privado e público e já se fala de uma crise bancária de características “sistémicas”, o que justifica que os mercados comecem a estar nervosos. Só não estão mais, porque acreditam que o BCE vai continuar a comprar a nossa dívida ao ritmo de 1,4 mil milhões ao mês nos próximos tempos e não esperam que o rating concedido ao país pela DBRS seja revisto em baixa.

Claro que a exigência de um plano B poderia ajudar a credibilizar a estratégia nacional e comprometeria bastante mais o Governo com um cenário consistente de correcção dos desequilíbrios – desse ponto de vista, o plano B exigido por Bruxelas até poderia servir para os acalmar.

Mas até que ponto o rating resiste ao mecanismo sancionatório hoje iniciado formalmente? E em que medida mais austeridade não vai afundar ainda mais a tímida retoma sedenta de novo investimento? E quem vai investir num país que Bruxelas acusa publicamente de estar numa espécie de “negação” da necessidade de reformas estruturais?

As sanções que visam garantir a confiança na moeda comum arriscam-se, assim, a ter efeito contrário. António Costa tem efectiva razão quando diz que as sanções, além de “injustificadas”, são” altamente contraproducentes”, tanto mais que nos últimos anos o défice passou de quase 9% para pouco mais de três e este ano ficará nesse limite, na pior das hipóteses prevista pela Comissão Europeia.

Convenhamos que depois de a Comissão ter confirmado o incumprimento de Portugal e Espanha, sugerindo que estavam reunidas as condições para a aplicação de sanções (sem recomendar nenhuma sanção concreta), a margem de manobra do Conselho estava definitivamente reduzida. Só a formação de uma maioria qualificada podia travar o procedimento por défice excessivo já não bastando a minoria de bloqueio. Sem isso restava a decisão de avançar para as sanções e daí a unanimidade.

Senão estivesse em jogo a Espanha a decisão seria igual? É quase certo que não. Mesmo que a situação dos dois países seja totalmente diferente.

No caso espanhol, o crescimento foi superior a 3% em 2015 e este ano será revisto em alta. Por cá, os 1,8% inicialmente previsto já são inalcançáveis, a economia praticamente estagna e cresce bastante menos do que no ano passado. O risco de regresso à recessão e a necessidade emergente dos fundos estruturais neste ano (já assegurada!) mas, sobretudo, no próximo só se aplica a Lisboa.

O que une então os dois países e exclui a França do mecanismo sancionatório é o facto de os dois países ibéricos não só terem ultrapassado os míticos 3% de défice “nominal” como, e sobretudo, o de não terem adoptado as chamadas “medidas efectivas” para evitar o desvio.

Ou seja, em vez de reduzirem num mínimo de 0,5% o défice estrutural (sem medidas excepcionais nem efeitos de conjuntura), tal como estipulam as regras do Tratado terem até registado um aumento neste indicador. No caso português, o défice estrutural além de se ter agravado com a gestão Passos Coelho volta a agravar-se com Costa e nem sequer está previsto que se consiga reduzir nos próximos anos.

Espanha é um caso diferente também aqui. O agravamento deve-se sobretudo às medidas eleitoralistas do último ano o crescimento forte previsto para futuro dá, apesar de tudo, alguma margem de manobra para alguma contracção.

Já a França salta fora do critério porque tem melhorado de forma estrutural as respectivas contas públicas, quer no passado quer na previsão para o futuro, como o comissário responsável fez questão de sublinhar. Resumindo, não se trata de não castigar Paris apenas porque “a França é a França!”. Valha-nos isso.

Lisboa não sendo Lisboa, também passaria mais uma vez pelos pingos da chuva (até porque a “geringonça” interna tem, até agora, a folha de Bruxelas quase imaculada…).

A não sanção era possível não fosse a Espanha ser a Espanha e o risco de uma solução de Governo à portuguesa constituir uma séria ameaça.

Mostrar o “amarelo” ao PP funciona como mostrar o “vermelho” ao PSOE e limitar as ambições do Podemos pondo fora de jogo, todas as eventuais composições de um futuro Governo em que a Esquerda apareça em maioria.

Centeno não poderá alegar a seu favor que o défice de 2,7% previstos pela Comissão (correspondendo aos 2,2% prometidos pelo Governo) será cumprido como forma de evitar sanções. Para que a Comissão considere que as “medidas efectivas” estão a ser adoptadas” falta a apresentação do chamado “plano B. As medidas capazes de forçar a quebra adicional dos 0,6% (perto de 750 milhões de nova austeridade) no défice estrutural.

Como, a esgotarem-se todos os prazos, o processo sancionatório se vai prolongar até Setembro, não é crível que estas medidas ainda venham a vigorar em 2016. Até porque quase nada podia ser adoptado em três meses com o efeito pretendido.

Não se acredita que Bruxelas exija medidas radicais ao estilo FMI e essas são as únicas que sobram: não pagamento do 13º mês, aplicação de imposto excepcional etc… Ou seja, talvez Centeno possa escapar este ano, afirmando com razão que o rumo se mantém.

Sobra essencialmente um compromisso para futuro tão concreto e discriminado que não levante dúvidas sobre a dose de austeridade a aplicar já em 2017. Um compromisso que não deixará margem de manobra a veleidades despesistas de bloquistas e comunistas a incluir no esboço orçamental a apresentar em Bruxelas para 2017.

A vida de Costa na gestão do futuro do seu Governo não será fácil, mas a de Centeno ficará ainda mais difícil. Resta saber quanto tempo vai resistir o ministro das Finanças ou se será ele por ironia a primeira vítima da ortodoxia de Bruxelas.

Comentários
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  • 00SEVEN
    19 jul, 2016 Portugal 09:01
    Pois! O problema é que os responsáveis navegam alegremente para o naufrágio e querem transmitir ao povo que a caravela sulca os mares de velas enfunadas para uma praia paradisíaca onde todos os portugueses poderão estender os corpos ao sol de "monokini" sem terem que se preocupar de onde é que vem o dinheiro para comprar as necessidades do dia a dia! Mas a realidade, que parece não assustar os portugueses, é que Portugal saiu sem paraquedas do program da "Troika" e ficou entregue aos seus destinos para as suas necessidades de financiamento e, para os mercados financeiros ou agencias de "rating", tanto se lhes dá que as sansões sejam "0" como 0,2% do PIB. São SANSÕES! Há muita ignorância entre os portugueses mas prosápia não lhes falta!
  • Alexandre de Castro
    16 jul, 2016 Lisboa 15:01
    Uma outra gralha, entretanto identificada, leva-me a proceder à republicação integral do texto. As minhas desculpas. Um excelente artigo que, com isenção, define muito bem a ardilosa intenção europeia, de, através da política do medo, pretender controlar, condicionar e influenciar as escolhas políticas dos portugueses e dos espanhóis. O Brexit paira, como um fantasma, sobre Bruxelas, Berlim e Paris. Mas, convenhamos, a UE, depois do golpe mortal do Brexit, vai entrar em agonia lenta. As sanções já são os suspiros da sua morte.
  • Alexandre de Castro
    16 jul, 2016 Lisboa 14:47
    Correcção ao meu anterior comentário: Deve ler-se "sobre Berlim", e não "em Berlim".
  • Alexandre de Castro
    16 jul, 2016 Lisboa 13:41
    Um excelente artigo que, com isenção, define muito bem a ardilosa intenção europeia, de, através da política do medo, pretende controlar, condicionar e influenciar as escolhas políticas dos portugueses e dos espanhóis. O Brexit paira, como um fantasma, em Bruxelas, Berlim e Paris. Mas, convenhamos, a UE, depois do golpe mortal do Brexit, vai entrar em agonia lenta. As sanções já são os suspiros da sua morte.
  • Domingos
    12 jul, 2016 Ancora 22:29
    Um comentário com apenas duas linhas?
  • As graçolas
    12 jul, 2016 port 20:16
    da Gracinha!...como é possivel? Como português que prezo o país, antes de colocar semelhante questão, (premonições), andaria durante um mês, a fazer uma introspeção!...
  • Lv
    12 jul, 2016 Lisboa 19:37
    A Gracinha tem muita graça ! Como ela gostava de ver o Centeno a cair.... Com tanto excesso de zelo Pafista, ainda vai abocanhar um lindo tacho proporcionado pela Caranguejola!
  • Ricardo Sousa
    12 jul, 2016 Taveiro 19:33
    A Alemanha que vá pentear macacos.