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José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
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Opinião

Há mais Grã-Bretanha para além de Farage

28 jun, 2016 • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


Não se pode reduzir um país aos seus dirigentes, por mais irritantes e demagógicos que sejam. Se a Europa cair na armadilha, e à demagogia dos senhores Farage responder com mais demagogia, então sim, estará o caldo entornado.

Não é fácil distinguir entre um povo e os seus líderes. Mas quando se ouve e vê o senhor Nigel Farage percebe-se como é indispensável – e purificadora – a distinção.

Não se podem confundir os britânicos, mesmo aqueles que optaram livremente pelo Brexit, com líderes como este. Basta recordar que poucas horas depois de o mundo acordar para a vitória do Brexit, já Nigel Farage vinha dar o dito (em campanha) por não dito: não, afinal as contribuições da Grã-Bretanha para a Europa não vão direitinhas para financiar a saúde dos mais velhos nem a educação dos mais novos.

Não é de espantar. Já em 2013, e apesar das suas campanhas contra a evasão fiscal, Nigel Farage era apanhado a criar um fundo “offshore” para contornar o imposto sucessório. O mesmo Farage que em público se apresenta como defensor dos mais pobres e se arrebata contra as regras do capitalismo internacional, não hesitou em deitar a mão às odiadas “offshore”, para tratar da sua vidinha.

O populismo desmesurado deste político não é, por isso, de hoje, mas de sempre. E como ele há outros, na Grã-Bretanha ou em Portugal, na Europa ou no resto do mundo.

O populismo, de direita ou de esquerda, não é monopólio de ninguém. Talvez nem seja correcto atribuir-se-lhe os qualificativos de direita ou de esquerda. Para quê ofender aqueles que defendem honestamente as respectivas ideologias, confundindo-os com o oportunismo no seu estado mais puro?

Porque o populismo não passa de puro oportunismo. Serve-se dos piores argumentos para melhor emocionar as massas. Sempre que há uma multidão carente de atenção ou em verdadeiro sofrimento, floresce rapidamente a pulsão populista.

Nas sociedades europeias cresceu a sensação de que os políticos, designadamente em Bruxelas, tomam as suas decisões com demasiada indiferença face aos efeitos concretos na vida das pessoas. E a indiferença acaba por favorecer e “credibilizar” as aproximações e as tiradas mais demagógicas.

O populismo, pelo contrário, sabe ganhar eleições, explorando pontos frágeis da sociedade, da economia e das pessoas.

Não é nem será o caso da Grã-Bretanha, mas há ditaduras que começam por ganhar os favores das urnas. O resto, que é o pior, vem depois. A eleição democrática de Hitler, nos anos trinta do século XX, é o exemplo mais drástico, mas há outros. E nestes casos, a vitória nas urnas não surge por acaso; mas é sempre o resultado de problemas sérios, explorados à exaustão por quem não olha a meios para atingir os fins.

Para derrotar democraticamente o populismo, há muito a mudar no discurso e na prática da política europeia. O discurso europeu não pode ficar pela economia ou pelas metas financeiras. Sem um discurso social e cultural, a Europa perde as pessoas.

Agora, no parlamento europeu, Farage veio pedir o melhor de dois mundos: deixem a Grã-Bretanha ficar com livre acesso aos mercados europeus e libertem-na de tudo o resto. Nesse caso, dizia ele, seremos melhores amigos da Europa.

Nigel Farage sabe que se a Europa cedesse criaria um precedente mortal. Mas o populismo de gente como Farage parece estar a arrastar os políticos europeus para uma resposta à flor da pele: então os britânicos que saiam de vez e em força.

Ora, na Europa toda a gente sabe que a saída dos ingleses não vai ser pera doce para ninguém. E nunca poderá ser uma saída rápida nem fulminante. Uma saída descontrolada também descontrolará a Europa.

Sabendo que o interesse europeu estava na continuidade da Grã-Bretanha, convém à Europa ensaiar uma resposta vexatória para os ingleses que potencie o radicalismo dos populistas? Ou, pelo contrário, interessa à Europa fortalecer a posição dos ingleses favoráveis ao ‘remain’?

Mais uma vez, não se pode reduzir um país aos seus dirigentes, por mais irritantes e demagógicos que sejam. Se a Europa cair na armadilha, e à demagogia dos senhores Farage responder com mais demagogia, então sim, estará o caldo entornado.

Em vez de respostas europeias puramente emotivas, é bem preferível adicionar-lhes uma boa porção da famosa fleuma britânica, essa velha receita da Old England.

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  • António Costa
    28 jun, 2016 Cacém 22:48
    A Democracia é extremamente exigente, só com um grande conhecimento do que se passa, é que podem ser tomadas boas opções. Ao longo da História, o "Caldo" quando se entorna, é quase sempre demasiado "vermelho". O problema é que só depois do Mal estar feito é que vem "Meu Deus, o que fizemos nós?"