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Som de Bola 9 (Euro 2016) - O Fado da Bola e o mais transversal dos compositores

Histórias de música e futebol

O fado da bola e o mais transversal dos compositores


Aqui há jogadores desafinados, fados desalinhados, hinos para o que der e vier. Vasculhar no mais profundo dos arquivos da rádio traz grandes probabilidades de devolver um resultado comum: Tozé Brito.

Clique em cima para ouvir o programa e depois ouça na íntegra as músicas de que falamos



São cinco décadas de carreira (a completar em 2017, desde que editou a primeira canção em disco), que atravessam gerações e estilos.

Compôs 522 canções – por aí. E umas 100 terá cantado o próprio, não mais. As outras 400 escreveu para Amália Rodrigues, Simone de Oliveira, António Calvário, Toni de Matos, Anjos, Luís Represas, Ana Moura, Ricardo Ribeiro... E a lista podia percorrer praticamente todo o universo musical português.

Não é de admirar, portanto, que o nome do mais transversal dos compositores portugueses (ele fez as contas e verifica) surja também na contracapa e nos créditos de muitos discos que se atiram à temática da bola. Mas afinal, quantas músicas sobre futebol escreveu Tozé Brito?

"Bastantes (risos), assim de repente, bastantes. A vários níveis. Eram cancões que me pediram para escrever, para clubes, para a selecção nacional, etc. Depois escrevi outros temas que falavam de futebol e que eram cantadas, sei lá, pelo Paulo de Carvalho, por pessoas que me pediram para escrever canções com eles sobre o tema do futebol. Portanto, ao longo destes quase 50 anos, nestas 500 músicas de que falamos, diria que há umas dezenas. Não são muitas, mas umas 20 ou 30 são sobre futebol, sem dúvida."

Mais de 500 canções é obra... do Tó Zé Brito
Tozé Brito fala dos 50 anos de carreira no Olá Manhã

As mais imediatas a enumerar são as dos clubes, pois claro. Tozé Brito tem bem presentes essas duas canções que compôs para o seu Benfica, em 1977, com Mike Sergeant. "Venceremos" e " Benfica até ao fim" foram de novo as vitaminas sonoras para as águias nessa "Operação Estugarda", em que o SLB se apresentou na grande final europeia de 1988. Perdeu nas grandes penalidades (6-5) com o PSV Eindhoven (mas isso já é história do futebol).

Mas a versatilidade tem destas coisas… Imagine agora um benfiquista a musicar um hino para o Futebol Clube do Porto. Foi em 1985, quando nas Antas se descobriu o dragão no emblema e (pouco) depois se conquistou a Taça dos Clubes Campeões Europeus. (Mais história: o FCP venceu o Bayern de Munique por 2-1 nessa final).

"A pedido do António Tavares Teles, que é portista, e mais ou menos quando o FC Porto foi campeão europeu, ele escreveu uma letra e pediu-me para escrever a música e, portanto, o hino oficial do Porto esse ano quando foi campeão europeu nos anos 80 fui eu também que escrevi."

As capas dos hinos do SLB e FCP musicadas por Tozé Brito
As capas dos hinos do SLB e FCP musicadas por Tozé Brito

"Eram quase encomendas, digamos." E não lhe fez confusão compor para o "inimigo"? A resposta vem com um sorriso audível. “Fez. Fez-me alguma confusão, mas eu nasci no Porto, é preciso dizer isto. Eu sou portuense. Não sou portista, sou portuense. Sou benfiquista e de portista não tenho nada, embora não seja anti-portista como alguns benfiquistas.”

E a razão: “porque nasci no Porto, a minha cidade é o Porto, o meu pai era portista, tenho um irmão que é portista doente, daqueles ferranhos, e tenho uma certa simpatia pelo Porto porque é o clube da minha cidade. Sendo que obviamente quando joga com o Benfica quero que perca sempre, sempre. Pode ser ao bilhar também.”

Se algum tipo de redenção fosse necessária, bastaria dizer que Tozé Brito tem na calha a renovação do hino do Benfica. Como nos revelou também José Cid num outro episódio de "Som de Bola".

"Ná, ná, ná" e os hinos para Portugal

"Depois, escrevi também para a selecção nacional vários temas, para várias campanhas da selecção em mundiais e europeus", conta-nos.

Em 1986, segue a selecção para o México, onde se dá o caso Saltillo, e em Portugal grava-se um de vários hinos de apoio não oficiais (é o mesmo ano de "Bamos lá cambada", que Tozé Brito elogia).

A música é muito simples - e muito "eighties" na sonoridade. A letra só aparece quase aos dois minutos de canção.

"Somos a força que há de vencer a partida
Somos a alma do estádio lá
Seremos Portugal
Sempre sempre a ganhar

Vamos ser os infantes na festa da paz
Vamos lutar para a vitoria lá
Seremos campeões
Glória aos vencedores"


"O que é realmente importante é que os refrões sejam curtos, eficazes e fiquem na orelha das pessoas", explica o compositor e produtor. São as fórmulas que as coisas da bola pedem. "Como os cânticos ingleses", compara, "é tudo um pouco mais básico".

Um coro de jogadores desafinados

E para o Europeu de França, em 1984, Tozé Brito compõe “Selecção de todos nós”. Esse sim, um hino oficial, apoiado pela Renascença.

A letra é de António Pinho e os arranjos, de outro habitué: Ramon Galarza. No lado B não falta a versão em francês, claro.

E nos coros estão os jogadores da selecção da época. Tozé Brito explica porque quase não se detectam na escuta.

"Realmente a coisa foi divertida, porque dos 20 e tal que estavam seleccionados talvez houvesse uns quatro ou cinco que conseguiam cantar, os outros eram completamente desafinados. E, portanto, tivemos que gravar aqueles quatro ou cinco várias vezes em várias pistas para parecerem muitos, enquanto os outros só tiraram a fotografia para a capa. Porque depois quando começavam a cantar, riamo-nos todos muito porque realmente a desafinação era total e completa. Mas isso são episódios que se passam em estúdio e quem ouve o disco nunca se apercebe do que se passou, como é evidente."

Quem afinava? Tozé Brito lembra-se bem do então ponta-de-lança Jordão. Seria dos que menos pontapés dava na música.

Adoptado como hino oficial em 1984, tem o apoio da Rádio Renascença. Na contracapa dedica-se o disco a todos os jogadores e membros da Comissão Técnica.

"Selecção de todos nós" tem letra de António Tavares Teles e António Pinho. A música é de Tozé Brito.

"Uma canção
Uma bandeira na mão
Da cor da esperança
Da cor do meu coração
Uma canção
Um povo inteiro a vibrar
Vamos a França
Dar tudo para ganhar

Seremos 11 irmãos em campo a jogar
Milhões de irmãos por esse mundo a cantar
Portugal, Portugal
Vamos erguer a nossa voz
Portugal, Portugal
A selecção de todos nós"

Chegou o momento da análise do especialista em canções. Como estamos, em Portugal, de património de composições futebolísticas?

“Acho que, curiosamente, ate há pouca música sobre futebol e então sobre desporto em geral não há praticamente nada. É um tema muito pouco abordado na música em Portugal.”

Porquê? "Eu creio que, apesar de os portugueses gostarem muito de futebol, gostam de futebol de uma maneira clubisticamente doentia. Só gostam do seu clube e nove em cada dez não vão a um jogo de futebol pelo prazer de ver futebol. Vão ver o seu clube jogar - e ganhar. De qualquer forma, a qualquer preço, se possível. E, sendo assim, ou se é também clubisticamente alinhado e se escreve uma canção para os adeptos do Benfica, do Porto, do Sporting - e isto é muito limitativo -, ou se escreve sobre o futebol como fenómeno, o que é divertido. E quando se escreve sobre o futebol como fenómeno, as pessoas não aderem, não compram, não ouvem. Porque elas querem é ouvir falar dos seus clubes."

O fado da bola

E a contrariar a tendência, ainda mais no fundo do baú, vamos repescar um fado. Será que Tozé brito se lembra?

"Claro que sim (risos). 'Fado da bola', chamava-se, creio. E tem uma letra do AntónioTavares Teles, precisamente, uma das pessoas que escreveu bastante comigo, e muitas vezes sobre futebol. Lembro-me muito bem inclusivamente da capa. Aparece uma bola de futebol com a cara do cantor no meio."

É um fado corridinho da dupla que tanto colaborou com Herman José. Com letra bem sarcástica e actual. "É um bocado a nossa sina. Neste momento, e até ver, está actual."

Canta Lúcio de Oliveira (que hoje assina Lucio Bamond), a cara que a bola emoldura.

E no final, é tudo uma questão de sina. Ou fado. O da bola.


"Som de Bola", por Maria João Cunha (jornalista) e Paulo Teixeira (sonorização). Arquivo Renascença: Ana Isabel Almeida. Ilustração: Ricardo Fortunato

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