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Graça Franco
Opinião de Graça Franco
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Que se passa na cidade que já foi a minha - a nossa cidade?

22 mar, 2016 • Opinião de Graça Franco


Hoje, Bruxelas. Há 15 anos, Nova Iorque, a 11 de Setembro. O que se fez para se evitar o colapso de uma convivência crescentemente difícil entre duas civilizações? O que se fez não foi suficiente.

Bruxelas. Há poucos meses, vi-a irreconhecível apinhada de veículos militares, com um soldado a cada esquina, e já quase não a reconheci. Depois, Molenbeek, um bairro de que pouco ouvira falar nos anos da minha estadia na ainda pacata Bruxelas, tornado quase familiar pelas notícias constantes de rusgas e detenções, surgido do nada, como uma espécie de “ninho de terroristas”.

Este fim-de-semana, de novo, o mesmo bairro, nas múltiplas imagens da prisão de um dos cabecilhas dos atentados de Paris. Hoje, contudo, parece bem pior: vivo este atentado como se fosse à minha porta. Foi ali que vivi o 11 de Setembro e, já por essa altura, Bruxelas surgia como o centro nevrálgico de um futuro que não augurava nada de bom. Não foi.

Quando se vive num país durante anos, fica-se com um estranho sentimento de pertença que nem a distância nem o tempo apagam facilmente. Estes atentados não foram, por isso, para mim, como muitos outros. Conheço bem aquele aeroporto das idas e vindas. Quantas vezes terei parado para tomar um último café naquele ou noutro qualquer Starbucks da zona de embarque, tão perto do local de ataque. O próprio balcão da TAP, onde tantas vezes fiz “check in”, não fica muito longe do local da explosão. Morei, durante anos, bem perto de Montgomery, a quatro estações de Maalbeek, zona de passagem obrigatória para as idas às compras a Madou, onde existe uma multiplicidade de comércios “turcos”, em saldos permanentes.

Na cidade que deixei há 14 anos, ficou um mundo de amigos cujo rasto tentei seguir em busca de informações esta manhã. Ao mesmo tempo que procurava possíveis testemunhos para a rádio, os meus filhos, via Facebook, faziam-me chegar notícias dos jovens amigos: “A Sofia e a Isabel estão bem!”. A cada informação junto um suspiro de alívio.

Ao longo da manhã, constato que tenho, pelo menos, três amigos literalmente presos na Comissão Europeia (ninguém pode sair dos respectivos escritórios ou abandonar os edifícios onde se encontram). Falo com alguns - calmíssimos (“não se pode ceder ao terror!”). Outros, nem tanto. Há quem tenha deixado os filhos pequenos na escola pública, de onde também não podem sair - nem das escolas nem sequer das salas. Esperam-se novos atentados.

Uma das minhas amigas tinha em casa cinco jovens portuguesas, a passar férias. Deviam regressar hoje mesmo a Lisboa. “O avião estava marcado apenas para esta tarde”, diz-me num misto de alívio e preocupação.

Que se passa na cidade que já foi a minha? Essa cidade, onde durante quatro anos observei, como estrangeira, a crescente tensão social entre uma comunidade muçulmana em crescendo e uma população autóctone em acentuado declínio populacional. Essa cidade, onde a extrema-direita crescia a céu aberto, com preocupantes derivas xenófobas, que, entre a população mais desfavorecida, encontrava um surpreendente e preocupante acolhimento.

Lembro-me de ter escrito para o “Público” crónicas que davam conta, nesse conturbado início do milénio, do preocupante fenómeno de revisionismo neonazi. Os alvos já não eram apenas os “judeus”, vítimas recorrentes de todas as perseguições. Na minha caixa do correio, aterraram, por essa altura, folhetos asquerosos contra os estrangeiros e o novo alvo eram, sem dúvida, as comunidades muçulmanas, que à vista desarmada se radicalizavam (era já evidente o crescendo do uso de véus nas ruas, nas escolas, um pouco por todo o lado) numa convivência onde a aparente tranquilidade disfarçava o crescente de tensão.

O 11 de Setembro foi apenas o despertar. E já foi há 15 anos. O que se fez entretanto para aumentar o diálogo, favorecer a integração, evitar o colapso de uma convivência crescentemente difícil entre duas civilizações? Não sei. Sei que não foi o suficiente.

Comentários
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  • Manuel
    28 mar, 2016 Lx 11:57
    Estes comentários revelam alguma desatenção... os atentados não ocorrem só na Europa. De facto a guerra dos radicais atinge vários continentes. Se fosse só um problema de integração, os problemas limitar-se-iam aos locais onde ela supostamente falhou. Tal não acontece. O que acontece de uma forma continuada é que a tolerância de alguns povos europeus permitiu a entrada de gente que não só não se integra como até desafia a cultura e religião os países que os acolhem. E se vivessem ao pé de uma mesquita perceberiam o que eu estou a referir.
  • Domingos Santos
    24 mar, 2016 LISBOA 10:13
    Excessos!... conduzem sempre a desastres, de ideias ou de práticas. Por isso, os políticos têm de compreender que "Nunca de esqueças que qualquer ser humano deve ser tratado com dignidade, solidariedade, amor, carinho e respeito e como tu gostarias de ser tratado nas mesmas circunstâncias". Os direitos humanos só existem para quem cumpre com os deveres humanos. Deixemos as atitudes politicamente correctas. A liberdade e a tolerância só são de aplicar a quem as pratica! Enquanto o comportamento dos grupos humanos se pautar pela defesa dos seus próprios interesses, actuando sistematicamente com a violação dos seus próprios valores, haveremos de assistir à impunidade prática do terrorismo.
  • Ana
    24 mar, 2016 Oeiras 09:39
    A meu ver a verdadeira razão para a adesão ao extremismo por parte de jovens, educados e criados no tal paraíso europeu, não se trata de não haver empregos e dinheiro. Por isso despejar dinheiro sobre os menos afortunados nunca vai dar resultado. Trata-se de valores. A europa não tem valores, não tem princípios, não tem nada de válido que dê uma razão de viver, de se auto validar, de se auto ultrapassar. Ao menos o islamismo, apresenta, mal ou bem, normas e valores, necessários para um jovem conhecer limites e fronteiras. O que é que a sua europa apresenta ? Futebol ? Concursos televisivos ? Corrupção ? Há muitos anos que os políticos paralisaram nas causas dos anos sessenta e lá continuam. Aposto que não sabe como vivem os menos afortunados, nem sabe o que pensa um adolescente destituído. Vive numa bolhinha cor-de-rosa, numa pretensa europa que só existe na sua imaginação. Aposto que, quando lá vai, admira-se com as ruas limpas, os jardins ordenados, a eficiência dos transportes, a simpatia dos empregados. É turista - não sabe nada.
  • tiro no pé
    23 mar, 2016 Santarém 23:05
    A Europa caminha pouco a pouco para a sua extinção e a culpa não é daqueles que cá entram e impõem as suas culturas mas dos que lhes têm dado abrigo irresponsável ao longo dos anos fechando os olhos à transformação que se operou durante esse período, agora já tudo parece ser demasiado tarde para reverter a situação e aos poucos o povo desiludido e traído acabará pôr o Poder nas mãos de partidos mais extremistas e racistas como ultimo recurso de salvaguardar a sua integridade física e moral.
  • Poik
    23 mar, 2016 Faro 22:14
    Ó Zé a sua cultura é precisamente a globalização! Se vivesse em Lisboa há 500 anos não imagina a quantidade de estrangeiros que por cá andavam. A nossa elite era até bilingue. Aliás a decadência portuguesa não começou em 1580, começou com a expulsão dos judeus e o seu massacre. Em troca aceitámos a censura, a inquisição, a inveja, a ignorância, a vigilância comportamental, o fanatismo. Foi precisamente Portugal que abriu as fronteiras do mundo. Mal ou bem, é esse o nosso maior legado, a abertura ao mundo. Há 500 anos.
  • Vera Jordão Madeira
    23 mar, 2016 Lisboa 12:18
    Identifico-me totalmente consigo. Depois de ter vivido 10 anos em Bruxelas, o meu dia de ontem foi sentido e passado como o seu. Quase como se o atentado tivesse sido aqui, à minha porta.
  • Maria
    23 mar, 2016 Lisboa 11:23
    "Si vis pacem, para bellum"
  • 23 mar, 2016 lisboa 10:23
    o problema está na implementação do plano kalergi, que visava a destruição da europa com a introdução de ouras raças de outras culturas, destruição das identidades e soberanias nacionais, para ser governada pela grande finança! é o que está a ser feito com a chamada globalização, a abertura de fronteiras foi o primeiro passo!!! e estes acontecimentos são ao começo daquilo que ainda não se sabe o fim!!! desgraçadas das próximas gerações vão ter uma herança mais pesada que o chumbo, vão ser escravos dos mercados, investidores e outros nomes a inventar, por senhores que virão a dominar a europa de não houver uma resposta firma dos povos!!! onde moro e é Portugal (por enquanto) o português não é a língua mais fala, gajos de saias, burkas, etc. onde está a minha cultura??? onde está a minha identidade como membro de um povo com 900 anos de história???
  • António Costa
    23 mar, 2016 Cacém 08:23
    Errata: "...misseis portáteis ar-terra.." evidentemente os misseis redeye, eram "...misseis portáteis terra-ar.." na época uma arma sofisticada e dada aos guerrilheiros afegãos pelos EUA. O Islão "agradeceu" estas e outras ajudas com o 11 de Setembro e com os atentados como os de ontem, em Bruxelas. Nem todos os muçulmanos são "jihadistas", disseram-me. E nem todos os alemães no tempo de Hitler eram das SS, respondi.
  • António Costa
    22 mar, 2016 Cacém 18:14
    O que se fez para favorecer a convivência crescentemente difícil entre duas civilizações? Eu digo-lhe. Por exemplo, quando os soviéticos invadiram o Afeganistão os EUA mandaram para os "Mujahidin", a guerrilha islâmica, material militar em abundância e até misseis portáteis ar-terra. A utilização de misseis pelos "Mujahidin" tornou o poder aéreo soviético obsoleto. Os EUA ajudaram o Afeganistão a tornar-se numa Republica Islâmica. Não foi suficiente? A França "esteve presente" na Argélia e sempre respeitou a sua religião dominante. A grande Mesquita de Paris é construída, como forma de agradecimento aos argelinos que de maneira heroica lutaram pela França na I Grande Guerra. Se existiam razões de queixa, era do Vietnam, que na guerra com os EUA, até com armas químicas ( exemplo: "agente laranja" ) foram bombardeados. O que correu mal? A "boa vontade" do Ocidente está a ser "interpretada" como cobardia. Esses desgraçados ainda não perceberam nada. Humilham-se e rastejam quando são enfrentados. Só respeitam a ditadura. Interpretam o respeito como "falta de coragem". O cristianismo não aparece "por geração espontânea" tem de ser ensinado. É o ódio ao Cristianismo e ao Ocidente que é ensinado em bairros como os de Molenbeek. É isso que está a correr mal.