Emissão Renascença | Ouvir Online
Luís António Santos
Opinião de Luís António Santos
A+ / A-

As empresas e as bandeiras

17 fev, 2016 • Opinião de Luís António Santos


É perfeitamente legítimo que accionistas privados de uma empresa aérea privada comprem e vendam partes da companhia a quem bem entendem e é também legítimo que escolham voar ou deixar de voar para onde bem entendem. O que não é possível é continuar a ‘vender’ esta empresa - do ponto de vista comercial mas, sobretudo, do ponto de vista simbólico - como a empresa ‘de bandeira’ de Portugal.

A polémica em torno da eventual desvalorização comercial do Porto por parte da TAP poderá ser um bom caso para se discutir com serenidade a presença ou não do Estado nalguns sectores da atividade empresarial e os efeitos dessa presença.

Aquela que seria uma normal opção comercial, assumida em total liberdade de gestão, tornou-se num caso nacional porque, semanas antes, o Estado fez questão de reassumir a posição de maior acionista da empresa. Fê-lo - disse-se na altura - em nome da adopção de uma estratégia nacional para a dita companhia aérea de bandeira. O que agora se pergunta, com legitimidade, no Porto e no Norte do país é: que estratégia nacional é essa que pode contemplar a centralização de operações num só aeroporto? Onde fica a coesão nacional? Onde fica a aposta na correção dos desequilíbrios regionais? E se esta mesma TAP decidir, depois do fim do prazo de vigência das garantias assumidas no contrato de venda, deixar de voar para os Açores e para a Madeira?

É perfeitamente legítimo que accionistas privados de uma empresa aérea privada comprem e vendam partes da companhia a quem bem entendem e é também legítimo que escolham voar ou deixar de voar para onde bem entendem. O que não é possível é continuar a ‘vender’ esta empresa - do ponto de vista comercial mas, sobretudo, do ponto de vista simbólico - como a empresa ‘de bandeira’ de Portugal.

A TAP estatal, que teve décadas da sua existência ao sabor das opções políticas de vários regimes e governos, acabou. Foi vendida. É de um senhor americano, de um sócio português e de mais alguns sócios de outra nacionalidades. Não tem nem vai ter, de facto, bandeira, como nenhuma das ditas empresas transnacionais tem. Essa existência, em regime de interesses que ultrapassa a esfera da política e da economia de uma bandeira, é um problema sério para os Estados mas não é um problema de agora nem apenas da aviação comercial. Fazer de conta que a TAP ainda é de Portugal é um erro e um engano. Escolher viajar na TAP porque é ‘nossa’ é um logro.

No Norte viver-se-á, quando a poeira assentar e se perceber que o maior accionista é já pouco relevante, muito bem sem ela (com aumento da presença de outras empresas, ao que tudo indica). E o país terá menos uma razão para perceber um esforço de coesão e de equilíbrio social e territorial na gestão da nossa vida pública. Mas também isso não será, infelizmente, grande novidade.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Domingos
    17 fev, 2016 Ancora 10:34
    Boa análise! Parabéns.