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José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
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A maior desilusão do debate

10 nov, 2015 • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


Para Mário Centeno não foi, de facto, uma boa estreia. Mas é costume dizer-se que um mau ensaio geral é sinal de bom espectáculo. Bem precisávamos que assim fosse.

Neste debate do programa do Governo, não era de esperar grandes novidades. Estando garantida a disciplina partidária na bancada do PS, já todos sabíamos ao que iam os diferentes protagonistas.

Concretizou-se a ameaça: derrotado nas urnas, o PS cozinhou com Bloco de Esquerda e PCP e – não esquecer – com o nunca sufragado PEV uma solução de serviços mínimos. Por mais que se arreliem com a verdade, os próprios sabem que continuam a ser uma coligação negativa: serve para derrotar no Parlamento quem ganhou nas urnas, mas não garante estabilidade nem futuro.

Neste quadro, aguardei com especial atenção e interesse, uma intervenção: a de Mário Centeno, de quem se diz ser o próximo ministro das Finanças, se António Costa vier a formar Governo.

Não conheço Mário Centeno. Opiniões que respeito dizem ser uma garantia de competência e sabedoria na área das Finanças. Não ignoro que era a primeira intervenção de Centeno no parlamento. E por vezes as estreias não são aquilo que desejamos. E assim aconteceu. Mário Centeno esteve longe do que eu esperava e, já agora, do que era preciso.

Esperava a intervenção sólida de um técnico, com incursões na política. Saiu-me um candidato a político, com tiradas fáceis, sem sombra de garantias técnicas.

Quando são evidentes os riscos e fragilidades da solução governativa do PS, Centeno parecia o homem certo para trazer segurança e contenção: explicar uma alternativa, credibilizando-a e suportando-a em dados para a opinião pública reflectir e valorizar. Nada disso.

Num estilo arrogante e cheio de picardias, Mário Centeno destilou superioridade. Não exibiu trunfos, mas dir-se-ia que o putativo ministro das Finanças de Costa guarda na manga varinhas de condão que faltaram nestes últimos quatro anos.

Depois do que afirmou e no jeito que o fez, Mário Centeno parece um daqueles políticos voluntaristas fechados num desenho que só eles conhecem, porque desfasados da realidade. Em política o voluntarismo obsessivo e militante transforma-se rapidamente em promessas por cumprir. E no domínio das finanças públicas as promessas por cumprir deixam antever desgraça.

Centeno terá agradado aos chefes partidários, manifestamente esquecido de um pormenor: o país estava a ver. Falou para dentro e não para fora. Duvido que tenha reduzido dúvidas e receios de eleitores, investidores e parceiros.

Por outro lado, Centeno resolveu também abrir a habitual porta das grandes mudanças na Europa. E sabe-se, na verdade, que a Europa precisa de mudar.

Mas começa a enfastiar: muda um governo da União e logo se promete reformar a velha Europa. E depois, sabe-se o que (não) acontece.

Veja-se como por cá foi celebrada a vitória de François Hollande. Ele prometia mudar Merkel para emendar a Europa. Três anos depois ninguém duvida que foi Merkel a mudar Hollande. E foi coisa à primeira vista.

Já em Janeiro deste ano, Tsipras, uma vez eleito não fez a coisa por menos: ele e a clássica Grécia alavancariam a mudança europeia que, afinal, Hollande não fizera. Já sabemos o resultado: os gregos estão hoje mais pobres e, socialmente mudaram sim, mas infelizmente para pior.

Pois agora toca-nos a nós: na melhor tradição de Hollande e Tsipras, aí está Centeno, e muitos outros no parlamento, a garantirem que sim, a Europa muda.

Para Mário Centeno não foi, de facto, uma boa estreia. Mas é costume dizer-se que um mau ensaio geral é sinal de bom espectáculo. Bem precisávamos que assim fosse.

Comentários
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  • aaaa
    11 nov, 2015 Coimbra 15:20
    JLRM é a maior desilusão de comentaristas. Pode ser, dado que acredita, que venha a ser um bom jornalista porque este texto é muito mau.
  • artur carvalho
    11 nov, 2015 Lisboa 10:24
    Infelizmente o único ponto que une o PS e os dois partidos anti sistema foi só um: fazer cair um governo maioritário embora com minoria no Parlamento. É a fuga para a frente do copiosamente derrotado Costa que não tem a chamada ética republicana que tanto apregoa.Poder a todo o custo e o resto logo se vê a aquilatar pelos arremedos de entendimentos bilaterais existentes. Se nem eles se sentam à mesma mesa para negociar...está tudo dito.Pobre País este com politicos derrotados transformados e aclamados como vencedores.UMA VERGONHA.
  • Que urubu!
    11 nov, 2015 Lisboa 09:02
    Nem vou acrescentar uma palavra ao comentário do "CARO", que está perfeito e exato! Apenas tomo a liberdade de novamente citá-la ...."As competências e o valor, mostram-se na vida profissional. O discurso que fez e como primeiro, foi mais do que suficiente e com a ironia precisa, para responder a uma "ministra das finanças", com farsa montada e que se pavoneia pelos corredores...para as camaras e os media! "
  • rosinda
    10 nov, 2015 palmela 23:41
    nao conheço mario centeno o nome e engraçado gostaria de o conhecer sem golpe de estado!
  • Caro
    10 nov, 2015 lis 20:03
    As competencias e o valor, mostram-se na vida profissional. O discurso que fez e como primeiro, foi mais do que suficiente e com a ironia precisa, para responder a uma "ministra das finanças", com farsa montada e que se pavoneia pelos corredores...para as camaras e os media!