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José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
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Resultados eleitorais, próximo Governo, novo Presidente e Rui Rio

05 out, 2015 • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


Se genericamente as sondagens ganharam, em geral, os analistas perderam.​

Ao longo da noite eleitoral fui coleccionando notas sobre protagonistas e dados, olhando também para o futuro próximo. Independentemente do que aqui escrevo, o mais importante é que os próximos anos sejam melhores para as pessoas que mais sofreram, confirmando-se que os sacrifícios valeram a pena. E que o país recupere desígnio e visão de futuro – é um desejo e uma esperança.

Participação eleitoral. Uma abstenção galopante era uma ameaça, mas não se confirmou. Subiu ligeiramente, mas muito longe do que se chegou a prever: sinal importante de maturidade cívica dos eleitores portugueses. Ainda assim, é preciso que a participação cresça em nome do bem comum. A abstenção é um fenómeno preocupante em muitas sociedades europeias. Uma cada vez mais escassa participação eleitoral não contribui para fortalecer a Europa que antes de se queixar de terceiros, deve revalorizar a cultura, os valores e a qualidade dos seus regimes democráticos.

Sondagens. As empresas de sondagens não se enganaram. Ao contrário do que sucedeu recentemente em Espanha e no Reino Unido, as sondagens ‘made in Portugal’ conseguiram retratar com grande aproximação o estado de alma dos eleitores nacionais. Belos resultados.

Analistas. Há meia dúzia de meses a Coligação era dada como perdida, pela inteligência nacional. Não perderia apenas votos, mandatos e maioria absoluta: estava absolutamente condenada a morrer, vítima de um passeio eleitoral triunfal de António Costa.

As notícias da morte da Coligação eram manifestamente exageradas, ao ponto de Passos e Portas terem vencido com uma confortável maioria relativa e derrotando absolutamente António Costa.

Se genericamente as sondagens ganharam, em geral, os analistas perderam.

PS. Claro que ninguém contava com tantos erros do PS, que deixou voar dois pássaros em simultâneo: o eleitorado do centro desconfiado do radicalismo, retraíu-se; e os eleitores à esquerda redescobriram em Catarina Martins um simpático voto de protesto, intuindo que o PS de Costa não estaria disponível para renegociar agressivamente a dívida e, muito menos, abandonar a moeda única.

Não conseguindo convencer uns e outros, António Costa é um dos grandes derrotados destas eleições. Lúcido e experiente, Costa sabe que uma parte do partido não lhe perdoa, até pelo modo como sacudiu António José Seguro do poder. Claro que Seguro venceu eleições durante a pior conjuntura económica e social da Coligação e Costa é derrotado no melhor momento dos últimos quatro anos. Mas era de prever que se conseguisse concluir a legislatura, a Coligação estaria , em 2015, em melhores condições para disputar a vitória nas legislativas do que nas autárquicas ou nas europeias.

Agora, derrotado pela Coligação e com um grupo parlamentar inferior ao do PSD, o PS não poderia aspirar a chefiar uma espécie de governo de protesto, com os restantes condóminos da oposição. De resto, tal posição resultou claramente das afirmações do secretário-geral do PS, durante a noite eleitoral. Politicamente enfraquecido, Costa não pode ser primeiro-ministro. Tentará, no limite, continuar a liderar o PS.

Bloco. No campeonato à esquerda do PS, o Bloco é o grande vencedor. Catarina Martins, num registo tranquilo e sedutor, rompendo suavemente com o jeito truculento e ansioso de Francisco Louçã, consegue um resultado que até lhe poderia valer o passaporte para um governo com o PS, caso os socialistas tivessem alcançado outro resultado eleitoral. Mas importa contextualizar: sendo domesticamente interessante, a votação do Bloco está a milhas distância dos resultados dos seus homólogos europeus: Syriza na Grécia ou Podemos, em Espanha. É, por isso, um sucesso relativo,

CDU. A par do PS, a CDU é outra das grandes derrotadas das eleições legislativas. Se os socialistas foram vencidos pela Coligação, os comunistas viram-se batidos pelo Bloco. Bem pode Jerónimo de Sousa esconder a cabeça como a avestruz, num discurso de ficção política que só conhece vitórias. Está à vista o que aconteceu: a CDU não teve arte nem fôlego para capitalizar o descontentamento. No essencial, aguentou; o que é pouco, para quem, durante quatro anos, tanto atacou.

PAF. Passos Coelho e Paulo Portas viram premiada a estratégia da Coligação. Não obtiveram maioria absoluta, mas ganharam inequivocamente o direito de formar governo. Uma parte da população terá percebido que as medidas duras, ou mesmo drásticas, começaram a produzir resultados. Em 2011, Portugal vivia a um passo do abismo; em 2015, vive à beira da recuperação. Ao fim de quatro anos tão difíceis, a Coligação PSD/CDS obtém um resultado notável. Mas governar com maioria relativa impõe alterações e uma dinâmica diferente.

Presidente actual. Não vale a pena montar demasiados cenários. Apesar de não haver maioria absoluta, a Coligação ganha com clareza e o grupo parlamentar do PSD será superior ao do PS. Passos Coelho, depois de o Presidente ouvir os partidos, há-de ser convidado a formar Governo, à luz do melhor entendimento constitucional. Aliás, Passos e Costa já tranquilizaram o Presidente, nas suas declarações pós-eleitorias. O líder do PS fez saber que não reconhece substância política na soma dos votos do PS com os da restante oposição; e até enunciou (começando a corrigir alguns tiros no pé, com os quais se feriu na campanha) quatro pontos para viabilizar um governo da Coligação. E pouco depois, o primeiro-ministro anunciava que tenciona contactar o PS para dialogar sobre as grandes reformas da legislatura.

Cavaco Silva tem, por isso, a tarefa facilitada. Acabará por deixar a Presidência com uma solução de governo, para o país.

Com eleições presidenciais em Janeiro de 2016, as maiores enxaquecas políticas caberão certamente ao próximo inquilino de Belém, que terá um papel chave no funcionamento equilibrado do sistema político, durante os próximos anos.

Novo Presidente. A eleição do próximo Presidente da República transformou-se no combate decisivo para António Costa. Um novo insucesso tornará inevitável a demissão do actual secretário-geral do partido socialista que nesse caso dificilmente tentará a sua reeleição. Se perder legislativas e presidenciais, Costa terá falhado os dois grandes objectivos da sua ascensão à chefia do PS.

Apertado entre as candidaturas de Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém, Costa não dispõe de muito oxigénio para respirar. E as coisas poderiam agravar-se, caso o Bloco, por exemplo, decidisse avançar com uma candidatura própria a Belém (Francisco Louçã ou alguém com perfil semelhante) que enfraquecesse o potencial eleitoral dos candidatos da órbita do PS.

Mas se o PS procura a cumplicidade política do próximo Presidente, cuja eleição pode estabilizar a situação interna dos socialistas, a Coligação não estará menos interessada na disputa presidencial. Sem maiorias absolutas, o papel do novo Presidente da República será crucial. É de esperar que antes de clarificado o processo de formação do Governo, Rui Rio e Marcelo Rebelo de Sousa não se pronunciem claramente sobre as suas eventuais candidaturas.

De resto, a composição do próximo Governo até pode ajudar a clarificar a eleição presidencial. Sabendo-se que a ausência de maioria absoluta obriga simultaneamente uma dinâmica reformista forte (lembram-se do governo minoritário de Cavaco em 1985?), mas também a um diálogo exigente com o PS, a composição do Governo deverá evidenciar estas duas componentes. O perfil de Rui Rio encaixa que nem uma luva nestas duas preocupações: reformismo e diálogo com António Costa, com quem mantém uma conhecida relação de confiança. Se Rio viesse a ocupar um lugar de destaque no Governo, estariam abertas as portas a um apoio claro de Passos e da Coligação a uma candidatura presidencial de Marcelo, até agora, pelo que se sabe, o candidato melhor colocado para suceder a Cavaco Silva.

Comentários
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  • Qualquer analista
    11 nov, 2015 Lx 09:40
    Que sistematicamente tenta impingir a sua parcialidade, custe o que custar, para estar apenas ao serviço do poder, mais tarde ou mais cedo, perde!...
  • carlos
    06 out, 2015 porto 12:18
    *** Se genericamente as sondagens ganharam, em geral, os analistas perderam. **** As sondagens são feitas baseadas em factos (nas intenções de voto expressas). Os analistas comentam baseados na sua própria tendência ideológica, e numa forma deturpada por subjetiva, de como veem a sociedade. A maior parte deles são de esquerda nomeadamente aqueles que de modo tão esganiçado vociferaram contra as sondagens que lhes mostrava cenários que não coincidiam com os seus desejos. De futuro, será melhor acreditar mais nas sondagens do que "nesses" analistas comprometidos.
  • Gosto!
    05 out, 2015 Lisboa 22:45
    Gostei da ideia e confesso que nunca tinha pensado nela. Rui Rio também no Governo, ajudando a construir as "pontes" necessárias com o PS, e Marcelo em Belém. Agrada-me.
  • Numa altura de...
    05 out, 2015 Lx 16:06
    ..grande desgaste e instabilidade geral, o povo, mais que votar em partidos, penso que vota em pessoas. É essa a explicação que encontro para o BE ter tido os resultados que teve, porque a Catarina Martins destacou-se e foi brilhante na sua luta. E é essa também a explicação que eu encontro para o PS ter tido os resultados que teve. O António Costa não esteve à altura - Não convenceu ser diferente, e batia o pé que jamais seria igual, isto, entre estratégias pouco estudadas, que resultaram em calinadas monstruosas e tiros no próprio pé. Era imperativo emergir alguém, do maior partido da oposição, que estivesse bem estruturado, confiante, com bom poder de argumentação e resposta na ponta da língua. Assim não foi António Costa que, quanto a mim, se revelou pouco preparado e sem estratégia adequada, para ir ganhando pontos, contra uma coligação astuta e perspicaz. O povo está mal, o povo sofreu e sofre. Mas foi-se adaptando, e esta realidade ele já conhece. Pedir-lhe que mude para outra realidade (embora desejada), mas sem a explicar/defender convenientemente, fê-lo cair num limbo de incertezas, que se manifestou ser um sacrifício adicional demasiado pesado para o povo poder abraçar. Não tenho qualquer crença que a PaF seja o melhor para Portugal. Acredito até, com grande tristeza e preocupação, que Portugal ficará muitíssimo pior, a médio longo prazo, quando esta política Pàf começar a dar frutos (irão ser muito amargos, a meu ver). Mas o futuro o dirá.
  • Vitor
    05 out, 2015 Lisboa 11:37
    Eu votei BE! Pela primeira vez votei BE e sinto a minha consciência tranquila por tê-lo feito. Será uma caricata falta de inteligência pensar-se que repentinamente me tornei grego, espanhol, soviético, masoista...ou outro disparate qualquer! Votei BE por não ter outra alternativa! Votar na coligação seria uma afronta à minha sanidade mental. Eu não esqueci os sacríficios desmedidos e descaradamente desiguais, os roubos permitidos aos "amigos" que impunemente voltaram para casa para as suas mansões de luxo, a queda do puder de compra, a partida dos nossos filhos para países longinquos por não encontrarem entre nós perspectivas de futuro... foram tantas bofetadas que durante quatro anos fui obrigado a suportasr que seria impossivel eu pactuar com a repetição do mesmo pesadelo. Não podia votar no PS porque não tenho falta de memória e não esqueci que grande parte das miserabilidades em que vive o nosso povo foram extorquidas das conquistas de Abril justamente em governos do PS, Imposto Complementar (lembram-se??), contratos a prazo....etc, etc. Não venham agora com pézinhos de lã! Não votei CDU porque o diálogo continua o mesmo num mundo que há muito mudou. Ficaram parados no tempo e o tempo não esperou por eles. Denotam uma mentalidade gasta e fora de moda que quase a ninguém convence. Votei no BE para que fosse essa força política a ser o garante da derrota da coligação não permitindo contudo que fosse o PS a repetir os disparates que tem cometido de cada vez que chegam ao go