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Cavaco perde uma boa oportunidade

25 abr, 2015 • Graça Franco • Opinião de Graça Franco


O último discurso do actual presidente da Republica no 25 de Abril foi, na sua quase inocuidade, uma oportunidade perdida. É pena.

Cavaco Silva será o Presidente ainda em exercício (embora já com poderes limitados) nos próximos oito meses e poderá vir a ser chamado a uma acção decisiva na procura do desejável consenso interpartidário que tanto lhe é caro. Um consenso que poderá tornar-se essencial para o encontro de um novo Governo maioritário, caso ele não resulte directamente do próximo acto eleitoral.

Não é preciso recordar sequer as palavras avisadas de Trigo Pereira, quinta-feira, no último “Conselho de Directores” aqui, na Renascença: sem estabilidade governativa o projecto de programa do Partido Socialista não será sequer “exequível”. Idem para a estratégia subjacente ao Plano de Estabilidade apresentado pela actual coligação.

Mesmo reeleitos, PS e PSD, dificilmente conseguirão maioria absoluta. Não por acaso, o Governo que se caracterizou por ignorar o valor do diálogo social (até em sede de concertação), durante anos, fez agora da palavra consenso uma espécie de “chavão” de forma a colocar no PS o ónus de não vir a jogo.

A necessidade de vir a conseguir, em clima pós-eleitoral, os vários entendimentos possíveis (à esquerda ou à direita) essenciais à formação de uma nova maioria estável aconselhava a preservação da voz presidencial acima dos partidos. Precisava-se mesmo de uma influência reforçada dessa voz radicada numa nova retórica de esperança mobilizadora.

Infelizmente, Cavaco Silva não o conseguiu, não tanto por culpa própria, como por mérito alheio. No caso, o mérito resulta de uma estratégia da maioria de captura sistemática das palavras presidenciais numa indiferença total às críticas que lhe são dirigidas directas ou indirectas (da incapacidade de retenção dos jovens mais qualificados, à necessidade de uma administração pública com capacidade para recrutar os melhores entre tantos outros).

A cada remoque, a cada recado, PSD e CDS reagem sistematicamente, num aplauso febril como se de elogio se tratasse.

A estratégia do aplauso continuado a Cavaco não é nova. Não sei exactamente quando começou, mas, no discurso do 5 de Outubro, foi ainda mais ostensiva. Não sei já se remonta mesmo a 2013, quando o presidente falou da evidência da “fadiga de austeridade” e da necessidade de um combate prioritário ao desemprego com múltiplas referências críticas ao desenrolar do programa de austeridade visto como pouco ajustado à realidade.

Este bruá de fundo, não torna o pensamento menos crítico mas assegura que as suas palavras surgem menos audíveis a toda a oposição. Num regime semipresidencialista como o português, quando um presidente deixa de se fazer ouvir para quase metade do hemiciclo é a própria democracia que surge empobrecida.

E, contudo, Cavaco Silva falou, numa espécie de apanhado ou balanço de mais de uma dúzia de discursos presidenciais de temas importantes: da necessidade de retomar políticas que combatam a queda da necessidade, às políticas de atracção e regresso de jovens emigrantes altamente qualificados ou de integração activa de imigrantes.

Voltou a falar do Mar como área de aposta no futuro (que o PS na voz de Miranda Calha lamentara, uns minutos antes, ter ficado abandonado nas últimas décadas) e de uma nova política de Justiça que permita que o sector deixe de ser um entrave à competitividade da economia. Falou da necessidade de um debate sério sobre a sustentabilidade do Estado Social (destaque para o pedido de um verdadeiro pacto político para o futuro do Serviço Nacional de Saúde sugerindo para base o trabalho já feito pela Fundação Champalimaud).

Falou da urgência do combate à corrupção que faz grassar a ideia de que os políticos não são movidos pelo interesse comum e “abre a porta” aos populismos e às falsas demagogias. Frisou, mais uma vez, que “ninguém pode estar acima da lei”.

Evitando a crispação e o conflito como lhe é tão caro, Cavaco disse. Mas porque “disse” as suas palavras dificilmente são de “alerta”, “reparo”, “proposta”, “incentivo”, “denúncia”...

Falou, sem dúvida, mas nunca “exigiu”, “impôs”, “obrigou”. Limitou-se a falar de tantas coisas importantes que é difícil escolher uma única. Aquela que apontasse para o futuro, numa nova direcção de esperança e indicasse a rota a seguir.

Ao homem do leme, exigem-se poucas palavras, mas tão claras que não possam deixar de ser ouvidas. Para isso, talvez Cavaco não pudesse ser tão cordato e consensual. O presidente mais uma vez “disse”, mas a questão pertinente é sobre quem o ouviu? António Costa, seguramente não.
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