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José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
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José Luís Ramos Pinheiro

E se Costa ouvisse Teodora?

31 mar, 2015 • José Luís Ramos Pinheiro • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


O líder do PS tem sofrido de hesitação crónica quanto à estratégia para o país, pelo que, deveria tentar perceber o que diz uma economista tecnicamente competente, que não faz favores a qualquer Governo.

Insuspeita e respeitada, a economista Teodora Cardoso defende, na última edição do “Expresso”, a manutenção de uma política responsável, recomendando que o crescimento da economia seja feito de forma correcta, sem obrigar o Estado a gastar mais dinheiro.

Teodora Cardoso afirma que “falar-se de reestruturação [da dívida] como uma medida de chofre é o contrário daquilo que nos interessa”. A reestruturação faz-se no mercado, diz ainda Teodora Cardoso, para quem “se continuarmos a gastar, [a dívida] não é sustentável de certeza”.

Por outro lado, e embora recusando o bloco central, a presidente do Conselho de Finanças Públicas aconselha PS e PSD a entenderem-se em questões básicas para o país, referindo também que em ano de eleições dizer-se que se vai retirar a austeridade, não chega – “não é nada”.

Porque é que importa reflectir nos avisos de Teodora Cardoso? Porque não se adivinham ambições partidárias ou governamentais à presidente do Conselho de Finanças Públicas; e sendo tecnicamente muito competente, dificilmente alguém a poderá acusar de fazer favores – a este ou a outro Governo. Se pensa o que pensa e diz o que diz, vale a pena escutá-la, para mais em ano de eleições.

António Costa que nestes meses de liderança tem sofrido de hesitação crónica, ou pelo menos continuada, quanto à estratégia a propor ao país, deveria reservar um tempo livre para perceber o que diz Teodora Cardoso.

Secretário-geral do PS há quatro meses, ainda não se vislumbra o que fará Costa se um dia for primeiro-ministro. Mantém, no essencial, as políticas de estabilização adoptadas pelo governo actual? Altera-as? E em que medida? Opta por uma reestruturação da dívida, como defendem alguns dos seus pares? Ou gere-a, renegoceia-a, como o Governo tem feito e como Teodora Cardoso aconselha que se continue a fazer? E como se propõe ajudar os mais pobres? E os novos pobres?

Chegámos a um momento em que os eleitores precisam de começar a perceber o que lhes reserva António Costa se acabar por vencer as próximas eleições legislativas. Até agora, o melhor que se pode dizer do seu desempenho como secretário-geral do PS é que tem estado muito abaixo das expectativas criadas.

Não se trata apenas do desastre eleitoral da Madeira, embora tal derrota constitua um mau sinal para o PS. Nas primeiras eleições sem Jardim, esperar-se-ia um reforço dos principais partidos da oposição. Refugiado numa coligação, o PS e a sua estratégia sofrem aqui uma dura derrota.

Mas a liderança de Costa enferma de males maiores que se traduzem numa inconsistência permanente. No plano europeu oscilou entre a ânsia inicial de se colar ao sucesso eleitoral do Syriza, sem conseguiu gerir depois o novelo de contradições em que o novo governo grego se atolou a grande velocidade.

A nível interno, em cerca de 15 dias o líder do PS passou do elogio à recuperação portuguesa junto de investidores chineses, para a acusação de que afinal o país não recuperou coisa nenhuma, antes recuou, e logo 15 anos. Na famosa lista VIP – dossiê que o governo geriu mal politicamente – Costa rapidamente descortinou indícios criminais; mas apontar eventuais contornos criminais na lista VIP e nada lhe ocorrer sobre os indícios criminais acolhidos em diferentes decisões judiciais no caso ‘José Sócrates’ é, no mínimo, confrangedor.

Sem estratégia que se veja e perceba, e sem um discurso novo e mobilizador, o líder do PS desgasta-se num tacticismo permanente e bipolar.

Para piorar só faltaria somar a todo este catavento político o truque da habitual fuga para a frente: a proposta de novas “fracturâncias” que escondessem a ausência de estratégia e mitigassem a indisfarçável desorientação táctica.

Significa isto que o Governo, por seu lado, tem feito tudo bem feito? Longe, muito longe disso; significa apenas que até agora não surgiu nenhuma força capaz de corporizar uma alternativa que para ser credível deve basear-se em propostas realmente exequíveis, evitando-se o logro em que caiu o desesperado eleitorado grego.
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