D. António Couto
Habito aqui sobre este chão verde e fecundo,
Sob este céu azul de fundo.
A minha moradia
Deste dia
Chama-se perdão.
Situa-se na rua da Quaresma,
Número dezassete.
É uma moradia de um dia.
Amanhã, já daqui a pouco, mudar-me-ei para o número dezoito.
Por ser a moradia de um dia,
Não precisa de ser rica, pesada e asseada
De ouro ou de bronze.
É uma simples tenda pobre, leve e bela,
Sempre aberta a quem quiser entrar nela.
Não precisa de muro de proteção
Ou de guarda ou de fiscal.
O perdão não se rouba, empresta, compra ou vende.
Só de graça se recebe, só de graça se dá.
Só assim se entende.
A rua da Quaresma, onde agora habito,
Deve ser percorrida devagar,
Como quem passa o tempo a partilhar,
Rezar, perdoar.
Como quem tem o tempo e o modo de Deus,
Que dá o perdão,
Como dá o pão aos seus amigos,
Até durante o sono.
O modo resmungar, criticar, desconfiar, murmurar,
Não se dá aqui nesta rua e nesta tenda que Deus me deu para habitar.
Concede-me, Senhor,
Neste tempo medido da Quaresma,
A graça de te imitar a amar e a perdoar.