Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Sobreviver em tempo de Covid-19


O testemunho de Cláudia Pinheiro, 28 anos

Aos 14 anos fui diagnosticada com um linfoma de Hodgkin e senti o meu mundo ruir ao receber a notícia num dia vulgar de Março de 2005, fechada no lugar menos apetecível de se estar para alguém dessa idade, um consultório médico do IPO de Lisboa.

O meu nome é Cláudia Pinheiro e tenho 28 anos, posso considerar-me uma felizarda por ter sobrevivido à maior crise da minha vida e voltar a ter a oportunidade de regressar a uma vida o mais normal possível.
No período de tratamentos médicos em ambulatório pude usufruir do apoio da Acreditar e permanecer alojada com a minha mãe na casa de Lisboa por impossibilidade de deslocação para os Açores, o meu local de residência e, dada a situação de fragilidade acrescida, a prioridade era estar perto do hospital e dos profissionais que nele lutavam pela minha recuperação (e de tantas outras crianças e adolescentes com quem contactei).
Tenho o maior respeito e orgulho no coração por ter sido tão bem tratada no IPO de Lisboa por uma equipa diversificada de profissionais desde médicos a assistentes operacionais ou administrativos. Apesar de não ter em memória todos os nomes ou rostos dos mais cruciais, sempre que lá volto e passo aquelas portas recordo-me dos dias árduos e sem rumo que lá vivi e nos quais me bastaram um sorriso ou uma palavra de ânimo para voltar a acreditar na vida.
Regressei aos Açores e ao meu núcleo seguro e passaram-se os cinco anos necessários de acompanhamento frequente para ser considerada curada.
No momento de ingressar na universidade tomei a decisão de ir para a área oposta à que tinha seguido no ensino secundário, precisava de contacto com as pessoas e não com letras, não me revia num trabalho de secretária e optei por enfermagem. O meu percurso profissional envolveu a mudança para a capital, o reencontro com Lisboa que tanto ansiava em busca de melhores condições e, acima de tudo, de um crescimento a todos os níveis, mais concretamente, o pessoal.
Nos dias de Covid-19 que vivemos, não posso deixar de reconhecer que esta é uma crise mundial, um medo generalizado acerca de uma coisa que nos é completamente invisível, mas que tem efeitos bastante concretos na saúde e no dia-a-dia de toda uma população. Se eu já considerava ter ultrapassado uma crise pessoal, agora sei que estou a passar por outra de uma tal dimensão na qual não estou sozinha, tenho toda uma classe comigo, colegas de profissão e restantes elementos das equipas hospitalares. E, mais do que profissional, sou uma cidadã que também se insere numa família e, como tal, também tem receios pela mesma.
O que estamos a viver, pelo menos em Portugal, são tempos de dúvida, de medo e de contenção social, em que esta última é a única coisa com a qual nos temos de conformar. Nunca estar longe e evitar o afecto foi um sinal tão grande de amor e carinho.
Como profissional, o que mais posso pedir neste momento é a solidariedade que se vai consolidando na sociedade, a esperança de que se todos dermos o nosso melhor nesta etapa menos boa das nossas vidas mais depressa podemos regressar aos nossos lares, aos abraços e colos dos nossos pais e avós. Ao aconchego de reencontros bons e felizes com os mais chegados e voltarmos a respirar de alívio.

Cláudia Pinheiro, 28 anos

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.