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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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A democracia portuguesa

08 jul, 2019 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A qualidade da nossa democracia é elogiada por entidades internacionais. Mas os portugueses afastam-se dos partidos porque a legislação eleitoral é a que interessa aos líderes partidários e não à participação democrática dos cidadãos.

Na crónica anterior, referi-me ao declínio da democracia liberal no mundo ao longo dos anos recentes. Hoje, o tema é Portugal, que subiu dois lugares no “ranking” sobre a qualidade da democracia produzido pela universidade de Gotemburgo. Estamos agora no 8.º posto daquele índice, informa o jornal “Público”. Uma boa notícia.

As eleições em Portugal são apontadas naquele estudo como as mais limpas do mundo. Quem viveu no antigo regime, anterior a 1974, lembra-se com certeza do argumento usado pelo poder político de então para rejeitar a democracia: os portugueses não estavam preparados para ela, alegavam.

Só que os portugueses desmentiram essa desculpa quando, em 25 de Abril de 1975, acorreram maciçamente às urnas para votarem nos deputados que iriam elaborar no parlamento uma constituição democrática. Note-se que havia, então, quem não quisesse eleições – o PCP e a extrema-esquerda civil e militar receavam que a votação viesse revelar, como revelou, o carácter minoritário na sociedade portuguesa dessas forças políticas, que no entanto se reclamavam falar em nome de quase todo o país (como ainda hoje acontece).

Eu próprio desejava em 1975 eleições, mas preocupava-me que houvesse incidentes, contestações, etc. Não houve, felizmente.

Quarenta e quatro anos depois, ouvem-se entre nós queixas quanto à qualidade da democracia. A secular fragilidade da sociedade civil portuguesa não desapareceu; continuamos a tudo pedir ao Estado. Naturalmente que este não tem dinheiro para satisfazer as expectativas irrealistas criadas.

E só na última década o Estado português começou a encarar a sério o cancro da corrupção. Mas não podemos ignorar que a nossa sociedade é tradicionalmente complacente com a pequena corrupção.

É na participação política, ou seja, na crescente abstenção nas eleições, que reside o nosso principal problema, segundo aquele estudo sobre a qualidade da democracia. Essa abstenção tem a ver com as tais expectativas frustradas – e aí aos políticos cabem responsabilidades nas promessas irrealistas que fazem, sobretudo em época eleitoral.

Nós, nas eleições legislativas, não sabemos em quem votamos – ou melhor, votamos apenas em função de uma preferência partidária e/ou de um líder que nos agrada. Por isso seria de adoptar um sistema eleitoral que ligasse cada um dos votantes ao “seu” deputado. Já foram apresentados várias propostas conciliando a proporcionalidade que a constituição impõe com essa ligação. Mas nada se concretizou.

O sistema eleitoral não muda porque os dirigentes partidários não querem largar mão desse poder de escolher quem é e quem não é candidato a deputado. Aí temos a partidocracia no seu pior.

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