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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Tentar perceber

Nós e a Espanha

15 jun, 2019 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A Espanha é, hoje, o principal parceiro económico de Portugal, graças à integração europeia. O mais grave problema espanhol é o independentismo catalão.

Portugal tem um único vizinho terrestre: a Espanha. A independência do nosso país, no século XII, foi, depois, em grande parte assegurada evitando a absorção por Castela (a Espanha apenas surgiu no princípio do século XVI).

Para isso, Portugal aliou-se a Inglaterra; é a mais antiga aliança do mundo. E voltou-se para o mar e a descoberta de terras longínquas. Mas entre 1580 e 1640 os nossos reis eram os Filipes espanhóis. D. João IV conseguiu manter a coroa portuguesa em parte porque Madrid, teve nessa altura, que se preocupar prioritariamente – já então! – com uma tentativa independentista na Catalunha.

Mas o receio de uma anexação espanhola de Portugal manteve-se durante séculos. Não era uma fantasia: sabe-se que essa possibilidade, até há pouco, nunca foi claramente afastada por alguns políticos espanhóis. E no século XIX existiu entre nós um movimento, não muito significativo, favorável à “união ibérica”.

Salazar e Franco

No século passado Salazar ajudou claramente Franco a ganhar a guerra civil. Mas depois manteve uma certa distância face ao ditador espanhol. Salazar terá contribuído para evitar que Franco entrasse na II guerra mundial, ao lado da Alemanha nazi e da Itália fascista.

Mas a hipótese de invasão espanhola de Portugal ainda não tinha sido abertamente posta de lado. Constituiu mesmo um tema para uma prova académica na carreira militar de Franco. E voltou a ser encarada em Madrid durante a II guerra mundial, quando se colocou a possibilidade de o exército britânico vir a Portugal combater um eventual ataque alemão a partir de Espanha.

Depois do 25 de Abril houve um momento em que se receou uma invasão espanhola, pois tanques do país vizinho avançaram em direção à fronteira com Portugal. Foi no fim de setembro de 1975, quando a extrema-esquerda incendiou a embaixada de Espanha em Lisboa. Franco morreria menos de dois meses depois e é de admitir que o seu debilitado estado de saúde tenha travado a concretização de tal hipótese.

Entrada simultânea na CEE

Portugal e Espanha entraram ao mesmo tempo na então Comunidade Económica Europeia, CEE, em 1986. A integração europeia mudou radicalmente o relacionamento económico entre os dois países. Antes disso era muito reduzido o comércio luso-espanhol. Hoje, a Espanha é o principal parceiro económico de Portugal – o maior importador de mercadorias nacionais e uma das principais fontes de turismo estrangeiro. O que não admira, pois somos vizinhos.

Há vários bancos espanhóis a operar em Portugal, como o BPI (o seu principal acionista é catalão, La Caixa) e o Santander, além de outros de menor dimensão. Portugal já investiu na banca em Espanha (Caixa Geral de Depósitos), mas sem sucesso.

Existem alguns problemas quanto à água dos rios que nascem em Espanha e chegam ao mar em Portugal. E também não nos agrada uma central nuclear antiga à beira do Tejo espanhol (Almaraz) e perto da fronteira portuguesa. Parecem, porém, finalmente afastados os fantasmas de uma invasão espanhola de Portugal.

Há um bom relacionamento entre os governos de Lisboa e Madrid. Quando são executivos da mesma cor política, como é agora o caso, e quando pertencem a famílias políticas diferentes, o que é de assinalar.

Situação espanhola difícil

Portugal segue com preocupação a presente crise política em Espanha, nomeadamente o problema do independentismo na Catalunha, bem como a estabilidade governamental do Estado espanhol.

O líder dos socialistas (PSOE), Pedro Sanchez, propõe-se formar um “governo de cooperação” com o partido Unidos Podemos, mais à esquerda. Julga-se que o líder deste último movimento, Pablo Iglesias, gostaria de obter pastas ministeriais, sobretudo na área social, no futuro executivo, que então seria um governo de coligação.

Mas não é provável que P. Sanchez aceite uma coligação. O Podemos perdeu 13 deputados nas eleições de abril e já entrou numa curva descendente. Os deputados do PSOE e do Podemos ficam a dez da maioria absoluta nas Cortes espanholas. Daí a necessidade de o futuro governo recorrer ao apoio, ainda que pontual, de pequenos partidos, por exemplo da Comunidade Valenciana, das Canárias e das Baleares. P. Sanchez não irá procurar apoios nos independentistas catalães.

O partido centrista Cidadãos (que nasceu na Catalunha opondo-se ao nacionalismo catalão) aspira a ser líder da oposição. Por isso votará contra a investidura do governo de Sanchez. O mesmo fará o PP, que ainda lidera formalmente a oposição de direita, apesar de ter sofrido uma pesada derrota nas eleições de abril.

E o partido de extrema-direita, o Vox, que obteve uma inesperada alta votação nas eleições autonómicas da Andaluzia e uma votação razoável (24 deputados) nas eleições nacionais de abril? No fim de maio, o Vox ajudou o PP e o Cidadãos a ganhar as eleições para a assembleia municipal de Madrid, desalojando a presidente socialista. Antes, com o PP e o Cidadãos, tinha afastado o PSOE no governo da Andaluzia.

O Cidadãos procura não se juntar demasiado ao Vox, pois assim torna-se uma força de direita e não um partido centrista. É um equilíbrio difícil de alcançar.

Acontece que em Espanha a transição da ditadura franquista para a democracia ocorreu sem revolução, ao contrário do que se passou em Portugal. O que teve vantagens, sobretudo económicas, mas envolveu alguns inconvenientes.

Em Portugal não existem partidos de extrema-direita com dimensão significativa, nem um culto público à memória de Salazar. Ora em Espanha o franquismo ainda está vivo e manifesta-se – daí o perigo do Vox.

Catalunha, o grande problema

Em Espanha existem as chamadas autonomias, com governo e parlamento próprios. Mas há autonomias que querem ir mais longe – querem a independência, o que levaria à fragmentação do Estado espanhol.

No País Basco durante mais de vinte anos um movimento terrorista, a ETA, alegando lutar pela independência da região, matou milhares de espanhóis. Felizmente, esse pesadelo parece ter cessado – mas existem ali partidos pró-independência, como o partido nacionalista basco, de centro-direita.

Na Catalunha as aspirações à independência são antigas. E não têm recorrido ao terrorismo. Mas o problema agudizou-se durante o governo anterior, do PP. O primeiro-ministro M. Rajoy lidou desajeitadamente com manifestações independentistas na Catalunha, o que acabou por beneficiar os partidários da independência.

Nada garante que a maioria dos que vivem na Catalunha queira a independência, até porque boa parte da atual população veio de zonas menos ricas de Espanha. Mas este é, sem dúvida, o principal problema que o governo espanhol, seja ele qual for, terá de enfrentar nos próximos tempos.

Em Portugal há quem simpatize e apoie o independentismo catalão. Não é essa a minha opinião. Julgo que uma possível desagregação do Estado espanhol seria para Portugal muito negativa.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus

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