15 mai, 2019
"Não estamos a adiar o futuro dos jovens mas sim a destruí-lo", sublinhou Christine Lagarde em Davos 2018 a propósito do relatório do FMI "Inequality and Poverty across generation in EU".
Tal como tão bem espelha o gráfico, o nível de pobreza e inequidade entre gerações é gritante; durante o período de ajustamento, a pobreza dos jovens duplicou.
De facto, Lagarde resgatou esta expressão de um poema de Langston Hughes “O que acontecerá a um sonho adiado?":
"Será que definha como uma uva ao sol?
Ou pulula como uma ferida e depois desaparece?
Será que cheira a carne apodrecida?
Ou se cristaliza e adoça como um caramelo?
Talvez apenas vergue
como o faz um pesado fardo.
Ou será que explode?"
Mas de facto, estranhamente, não só ninguém explodiu como assistimos a um silêncio quase generalizado sobre o assunto; assim estes resultados em vez ter despertado a inquietação e a preocupação nos meios de comunicação social, nos actores do sistema social, de ensino e decisores políticos, parece que foram secos como a tal uva ao sol; não se falou sobre o assunto….
E, tal como seria de esperar, os eternos culpados para estes números: o desemprego e a precaridade do trabalho. A segurança social e as estruturas políticas, e também as sindicais, não se prepararam para mitigar o impacto da crise neste grupo; o número de jovens a trabalhar que se encontram em situação de pobreza não para de aumentar, assim como o número de part-times involuntários e a percentagem de contratos temporários.
Claro, a tudo isto acresce que em situações de desemprego, a possibilidade de recurso a fundo de desemprego ou a acesso a benefícios sociais é particularmente difícil. Como será possível com este cenário sair de casa dos pais? Mas, infelizmente tudo tende a ser cada vez mais difícil…
De facto, este último relatório da OCDE, publicado em Março de 2018, “Automation, skills use and Training”, estima que nos 32 países analisados cerca de 1 em 2 empregos poderão ser afectados pela automação. Destes 50% que serão afectados, aproximadamente 14% têm alta probabilidade de serem quase completamente automatizados. Como seria de esperar, os efeitos não serão homogéneos dentro do espaço europeu; com empregos menos susceptíveis à automação nos países anglo-saxónicos, nórdicos e Holanda e mais susceptíveis na Alemanha, Sul da Europa e Europa de Leste. Além disso o relatório sublinha, uma vez mais, que a automação terá consequências mais significativas no desemprego jovem do que nas reformas antecipadas.
Assim, a educação do século XXI deve preparar as pessoas para entrarem no mercado de trabalho, mas também (e acima de tudo) para a vida. De facto, o ensino pode moldar algo muito grande: o curso da história humana. Assim, se há lugar onde podemos intervir de uma forma que traga dividendos para a sociedade, é a sala de aula. No circuito de conferências, de “papers”, de artigos variadíssimos sobre educação todos profetizam, invariavelmente, as futuras competências essenciais do século XXI, com as palavras da moda: criatividade, empreendedorismo, adaptabilidade e flexibilidade. O foco é, invariavelmente, nas competências, não nos valores. Nas didáticas, não nos ideais. Na “capacidade de resolver problemas”, mas não nos problemas que precisam de ser resolvidos!
O cenário de desigualdade radical que toma forma em muitos países não é a única opção. Se queremos manter uma equidade inter-geracional a nossa responsabilidade com as gerações futuras clama por uma mudança radical de cenário no desenho de um mundo melhor e mais responsável. Talvez a solução tenha que passar por re-apreender a redistribuir; redistribuir dinheiro (rendimento básico universal (?) ou a recente proposta inglesa de uma herança para todos os jovens (?), tempo (a semana laboral mais curta (?), os impostos (sobre capital e não sobre o trabalho (?).
Caso contrário, nós que dissemos aos nossos filhos, “podes ser quem quiseres, és especial” receamos, e eles hoje receiam, um futuro de incertezas carregado de competição e desemprego. Talvez, com esta passividade eles passem a viver connosco toda a sua vida…
Ana Sofia Carvalho, Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa