10 mai, 2019
É suposto sentirmos comoção quando nos confrontamos com uma tragédia humana. É suposto sentirmos essa empatia mesmo quando o massacre perpetrado por homens nos chega da Ásia, mesmo quando a tragédia provocada pela natureza nos chega de África. Quando crianças explodem e quando velhos se afogam, sei o que devo sentir: uma quebra súbita na força, para citar o profeta Obin-Wan, uma ânsia no peito provocada pela humanidade que partilho com aqueles irmãos longínquos.
Sucede que hoje em dia nós vivemos soterrados em tragédias. Todos os meses, todas semanas, aliás, todos os dias vemos imagens de massacres humanos e desastres naturais. Repare-se só no cardápio deste ano: ainda só estamos em Maio, mas já tivemos a comoção pelo ciclone de Moçambique, pelo bebé espanhol perdido para um túnel minúsculo, pelos sempiternos afogados do Mediterrâneo, pelas vítimas do terrorismo no Sri Lanka, pela vítimas da ditadura da Venezuela, etc., etc., etc. Este chamamento mediático para a compaixão acaba por ter um efeito contraproducente. Ao final de um tempo, estas notícias têm o efeito do spray miraculoso dos jogadores da bola: fica-se dormente, anestesiado, não se sente nada naquela zona do corpo, neste caso, naquela zona do coração. Cria-se à nossa volta uma pátina que nos separa emocionalmente das tragédias. Não diria que essa pátina é feita de cinismo amoral, mas é feita com certeza de uma certa indolência.
Este fenómeno parece ser outro eco da autodestruição em curso da globalização. Há um cansaço vital na aldeia global. Já pouco ou nada nos espanta. Já pouco ou nada nos comove a fundo. Julgo até que o sofrimento humano pode causar menos impacto do que a destruição de algo belo e icónico como a Notre-Damme. Não tenho solução pessoal ou colectiva para esta dormência, mas estaria a mentir se não reconhecesse este cansaço, esta falha enquanto católico. É que católico quer dizer universal.