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Opinião

A semana horrível de Cristas e a ingenuidade de Rui Rio

05 mai, 2019 • Eunice Lourenço • Opinião de Eunice Lourenço


Os líderes do PSD e do CDS recuaram na questão dos professores e deram mostras de descoordenação parlamentar.

Se fosse possível, os líderes do PSD e CDS deviam carregar o botão de desligar e começar de novo. Quando o momento político não estava a correr bem a António Costa, quando Rui Rio começava a levantar cabeça dos problemas do seu partido e ganhar espaço e lastro como líder da oposição, viram-se enredados num jogo político que não dominavam. E tudo por incompetência e ingenuidade.

A crise pode ter durado só um fim de semana, mas estava anunciada há duas semanas e o PS não deixará de tentar que tenha efeitos por muitas mais.

Para Assunção Cristas, a vida já não estava a correr bem. A líder do CDS teve mesmo a sua semana horrível, provavelmente os piores dias da sua liderança. Começou no domingo, com a divulgação de uma entrevista de Nuno Melo, cabeça de lista às europeias, à agência Lusa a dizer que o partido espanhol Vox não é de extrema direita e até a admitir que os eurodeputados que venham a eleger até podem ter lugar no Partido Popular Europeu.

Depois, ao longo da semana, e correndo sobretudo nas redes sociais, foi aumentando a polémica sobre as “passadeiras arco-íris”: uma proposta dos representantes do CDS na junta de freguesia de Arroios para que duas passadeiras para peões fossem pintadas com as cores do arco-íris para assinalar o dia em que a Organização Mundial da Saúde retirou a homossexualidade da lista de doenças. A proposta não era sequer possível de cumprir devido ao código da estrada, mas os setores mais conservadores do CDS passaram ao ataque e Cristas escreveu uma carta aos militantes a demarcar-se da proposta e a prometer que não voltaria a acontecer algo semelhante.

Por fim, a aliança esquerda-direita para a contagem de tempo dos professores, que levou à ameaça de demissão por parte do primeiro-ministro. A líder do CDS só na sexta-feira reagiu duas vezes, acusou o Governo de “fantochada”, até desafiou o primeiro-ministro a apresentar uma moção de confiança para acabar no domingo a ser a primeira a recuar. Isto já depois de ter nomes menores e maiores do seu partido, como António Pires de Lima, a criticá-la por se aliar à esquerda.

Rui Rio, mais cauteloso na sexta-feira, ao dizer que não conhecia a versão final aprovada na comissão parlamentar de Educação, acabou por também recuar.

Em termos técnicos, Assunção Cristas e Rui Rio anunciam a mesma coisa, que é levar ao plenário da Assembleia da República as suas propostas originais, que dizem salvaguardar a estabilidade das contas públicas em caso de contagem do tempo integral de serviço dos professores.

Mas isso, agora, são tecnicalidades difíceis de entender. Politicamente o que assistimos foi a um recuo – mais pronunciado no caso da líder do CDS – e a algo ainda pior, tanto para Cristas como para Rio: uma manifestação de desconhecimento e descoordenação parlamentar porque, no fundo, vieram dizer que, afinal, aquilo que foi negociado e aprovado na comissão parlamentar de Educação não é bem o que queriam e, em última análise, não aprovam um articulado que os seus deputados aprovaram.

Não adianta virem tentar explicar que continuam a propor o que sempre defenderam – a contagem total do tempo, desde que não ponha em causa as contas públicas -; não adianta acusarem de António Costa de “golpe de teatro amador”, como fez Rui Rio. Sim, foi um golpe de teatro. Ou melhor, um golpe político. Mas nada amador. Foi bem profissional, bem coordenado e bem executado.

Amadores foram Cristas e Rio, apanhados desprevenidos pelo jogo político de António Costa, apesar de há duas semanas a Renascença ter noticiado que este era um cenário em cima da mesa do Governo.

A esquerda à esquerda no PS não esteve muito melhor, mas estava na seu terreno, a defender o que sempre tem defendido. E terá sido mais surpreendida pela ajuda da direita do que pela jogada do primeiro-ministro. Pelo menos tem obrigação disso: não se passa quatro anos a negociar com António Costa sem aprender nada.

O Bloco, ainda assim, parece um bocadinho perdido, não vá este episódio diminuir as suas hipóteses de cumprir as ambições governamentais. Catarina Martins até tenta vitimizar-se, apelando a António Costa para que não ponha em causa a estabilidade do país e não se alie à direita.

Mais seguro, mais honesto e mais coerente, o PCP acusa o Governo de chantagem e a direita de calculismo, apontando que PSD e CDS não aprovaram a contagem total do tempo dos professores por convicção, mas por acharem que estariam a ganhar votos e agora recuam por descobrirem que afinal os podem perder.

Foi tudo uma dramatização? Foi, mas porque esquerda e direita permitiram.

Costa fez chantagem? Fez.

O Ministério das Finanças já apresentou vários números sobre o impacto da contagem de tempo? Sim.

O PS já defendeu a contagem de todo o tempo? É verdade.

Mas é a política. E António Costa conseguiu – veremos por quanto tempo – centrar a sua imagem e o seu discurso. E é ao centro que se ganham e perdem eleições.

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